Erathostenes e a medida da Terra, c. 250 AC As abordagens usuais desse tema, além de terem vários erros históricos e demonstrações de ignorância de princípios básicos de Geografia e Astronomia, pecam por apresentarem o tema como mero entretenimento, sem atinar que:
O leitor também precisa ser alertado que o livro onde Erathostenes descreve sua medida da Terra, o Geographiká, foi perdido (chegaram até nós apenas escassos fragmentos dos três volumes do mesmo ). Nossa fonte mais antiga e segura de informações sobre esse trabalho é o livro De motu circulari de Kleomedes, que viveu cerca de 200 anos depois. Assim, é fácil ver que existem vários pontos polêmicos na reconstrução da medida de Erathostenes, um dos quais é a crucial determinação do valor da unidade de comprimento ( o estádio ) por ele usada. |
Logo que os gregos atinaram que a Terra tinha a forma esférica, puseram-se a imaginar artifícios
para determinar o tamanho dessa esfera. Nesse sentido, a primeira idéia que surgiu foi a de reduzir o problema da determinação do tamanho da Terra a um problema de geometria plana. A estratégia mais simples de se obter tal redução era a de se fazer medidas em um mesmo meridiano, o que explicaremos em detalhe abaixo.
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Baseava-se na determinação do ângulo que representa a diferença entre as alturas de uma mesma
estrela em duas cidades num mesmo meridiano. Como V. deve imaginar, a altura de uma
estrela relativamente a um ponto P sobre a superfície terrestre é a medida do ângulo que faz o "raio
visual de P à estrela" com o plano do horizonte em P. Deixaremos para os exercícios o exame dos detalhes desta implementação. Aqui, só observaremos que os resultado mais antigos que conhecemos do uso desta técnica são relatados por Aristóteles c. 350AC, o qual dava, sem citar o autor da medida: C = 40 000 estádios. Cerca de cem anos mais tarde, Archimedes, em seu famoso livro Arenario, menciona um valor muito mais exato: C = 300 000 stadia. A diferença entre esses resultados é imensa e serve como condenação da praticidade dessa técnica. Além da precariedade instrumental dos gregos, tinha-se de acrescentar vários fenômenos físicos ( como a refração atmosférica ) prejudicando a determinação da altura das estrelas. |
Erathostenes descobriu um modo alternativo de achar um ângulo na esfera terrestre, envolvendo
medidas outras que alturas de estrelas. Sua idéia fundamentava-se em aproveitar que num certo dia do ano ( precisamente: ao meio-dia do solstício de verão ) as colunas e obeliscos na cidade egípcia de Aswan ( na época, chamada Syena ) não faziam sombra, o que era ainda mais notado pelo fato de que os poços da cidade espelhavam o Sol nesta hora e dia. Consequentemente, naquele instante, o raio da Terra que passava por Aswan tinha a direção dos raios luminosos do Sol ( muito aproximadamente paralelos dada a enorme distância entre a Terra e o Sol ). Daí, para achar a circunferência C do meridiano terrestre de Aswan, tudo o que lhe restava fazer era: Acompanhe o raciocínio na figura abaixo: o paralelismo dos raios solares dá S = A e também A = B , disso segue que B = S Ora, usando uma skaphe, Erathostenes verificou que o ângulo S da sombra era 1/ 25 da skaphe. Essa skaphe tinha a forma de metade de uma esfera, de modo que concluiu facilmente que: S = 1 / 25 da skaphe = 1 / 50 do giro completo consequentemente, o arco de meridiano entre Aswan e Alexandria ( ou seja: a distância entre essas cidades ) é 1 / 50 da circunferência do meridiano. Mas essa distância era sabida ser 5 000 estádios, de modo que a circunferência do meridiano terrestre vale C = 50 x 5 000 = 250 000 estádios. . |
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Exercício:
Exercício ( de Dennis P. Donovan ):
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Em 1686, Newton mostrou matematicamente que a Terra não era uma esfera pois tinha um achatamento
nos pólos. Isso
teve grande resistência pela comunidade científica e resultou na criação de sucessivas comissões
de cientistas franceses que tinham como finalidade medir mais cuidadosamente o meridiano e assim
decidir a veracidade do resultado de Newton. Dessas comissões francesas, as mais famosas foram a
que mediu o meridiano no Peru ( entre 1735 e 1745 ) e a que o mediu na Lapônia: ambas confirmaram
Newton. Uma consequência importante desse trabalho foi a introdução do metro em 1791,
definido como a 10 000 000 parte do quadrante do meridiano de Paris. Cientistas e matemáticos de
outros países continuaram a desenvolver técnicas com vistas
a medidas cada vez mais precisas do meridiano, um trabalho que continuou pelo século passado e
atual e envolveu matemáticos de renome como Legendre, Laplace, Gauss, etc. Podemos resumir esse gigantesco esforço da Humanidade dizendo que hoje sabemos que a Terra não é uma esfera perfeita, tendo um achatamento nos pólos. Esse achatamento é pequeno, correspondendo a um desvio de 0.3% da forma esférica. Com efeito, temos:
Em trabalhos científicos mais precisos, bem como em algumas aplicações como lançamento de mísseis intercontinentais e satélites, toma-se como modelo da figura Terra um esferóide ( = elipsóide de revolução ) achatado cujos parâmetros ( valor dos semi-eixos, etc ) são periodicamente melhorados pela International Union of Geodesy and Geophysics. Em trabalhos ainda mais delicados, e que tem de levar em conta a influência da gravidade terrestre e lunar ( efeito no nível dos oceanos! ), usa-se um modelo ainda mais sofistificado: o geóide. |
versão: 20-abril-2 000
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© J. F. Porto da Silveira
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