O sistema de numeração romano. Qual deles?





O assunto "sistema de numeração romano" é um dos mais populares na Escola. É, também, uma magnífica fonte de parvoíces e fantasias para quem ignorar a advertência que temos feito em nosso material histórico:

conceitos, métodos, terminologia, notação, valores e motivações de antigamente poucas vezes são iguais aos atuais



Com efeito:
o sistema de numeração usado pelos romanos era bastante diferente do que HOJE chamamos de sistema romano e que ainda é usado em relógios, capítulos de livros, datas de copyright, nomes de reis e papas e etc. O moderno sistema romano é resultado de uma longa evolução do sistema usado pelos antigos romanos, tendo tomando a forma atual a partir do Renascimento.

O sistema de numeração dos antigos romanos tinha várias diferenças com o atual sistema romano que aprendemos no ensino primário: vários algarismos eram diferentes, os romanos raramente usavam o princípio subtrativo e, acima de tudo, não tinham regras fixas para escrever os numerais.

No que segue, passaremos a provar e elaborar as afirmações acima. Para evitar confusões, usaremos a seguinte terminologia não usual:

  • sistema romano-romano: sistema de numeração usado pelos antigos romanos
  • sistema romano-medieval: o "romano" usado durante a Idade Média
  • sistema romano-moderno: o "romano" que atualmente aprendemos na escola e usamos ou encontramos em algumas situações
Em ordem a evitar um texto excessivamente longo, dividiremos nossa abordagem em duas partes:

  • uma parte inicial, o presente texto, em que nos concentraremos no sistema romano-ROMANO e no romano-MEDIEVAL
  • uma segunda parte em que trataremos da origem e evolução do sistema romano-MODERNO, desde os dois sistemas romanos anteriores até os dias atuais; essa segunda parte V. acessa clickando em qualquer uma das setas de retorno, abaixo.


volta

prova da variedade de sistemas romanos





A maneira mais usual de os historiadores da Matemática mostrarem que o sistema de numeração romano-romano, aquele usado pelos antigos romanos, é bastante diferente do que hoje a maioria das pessoas chama de "sistema de numeração romano" é, simplesmente, mostrar uma foto da Columna Rostrata de Duilius. Esse monumento foi mandado construir em 260 AC, pelo Cônsul Duilius, em comemoração de sua vitória naval sobre os cartagineses; originalmente erigido no Fórum de Roma, hoje é uma das atrações turísticas do Palazzo dei Conservatori, na Colina do Capitolium. Seu interesse matemático reside no fato de ser o mais antigo documento romano que exibe a representação escrita de números muito grandes.



Acima, fizemos um destaque da parte mais interessante da Columna Rostrata: o trecho onde os romanos inscreveram a justaposição de 23 cópias do algarismo  ( ( ( I ) ) ) , que era o algarismo dos antigos romanos para representar 100 000 . Note que isso foi feito de um modo totalmente diferente do que aprendemos na escola.
( NOTA DOCUMENTAL: conforme V. pode ver na foto, a lápide está quebrada e tudo o que podemos dizer -- através de uma cuidadosa medição e reconstituição da mesma -- é que o numeral originalmente representado era alguma coisa entre 2 300 000 e 3 500 000, correspondentes ao uso de respectivamente 23 e 35 justaposições do algarismo das centena milia ).

São raros os documentos romanos mais antigos que a Columna Rostrata; tanto pela ação das intempéries como pelo fato de que, nos primeiros tempos da República Romana, o latim era usado praticamente apenas em Roma, sendo que no restante dos domínios romanos usava-se o grego colonial, o etrusco e outros dialetos antigos. À medida que o poder romano aumentou, como seria de se esperar, também aumentou a quantidade de registros epigráficos; contudo, muitos deles pereceram com as invasões bárbaras.

Apesar disso tudo, temos muitos documentos posteriores à Columna Rostrata comprovando a diferença entre o sistema romano-romano e o romano-moderno: lápides de sepulturas, inscrições de números de identificação em edifícios residenciais ou públicos, etiquetas de vários tipos, etc. Essa constatação pode ser facilmente feita através do exame do Corpus Inscriptionum Latinarum, uma coleção de mais de 40 000 inscrições registradas por especialistas em história da Roma Antiga.

Esse exame facilmente mostra que existem muitas diferenças entre o sistema dos antigos romanos e o usado atualmente. Essas diferenças são tanto do aspecto de algarismos como nas regras usadas para a escritura dos numerais. Uma rápida amostra das diferenças exibidas pelo Corpus Inscriptionum Latinarum é a tabela abaixo, confeccionada a partir de anotações do historiador David Smith:



Note que, a partir de 500, os seus algarismos eram totalmente distintos dos que hoje empregamos no sistema romano-moderno. Observe, em particular, que eles não usavam M para 1000 e seu 500 não era a letra D, era apenas parecido com essa letra.

Outra enorme fonte de numerais escritos pelos antigos romanos são as milhares de lápides de sepulturas encontradas por boa parte da Europa. Embora raramente trazendo elementos que possam ser usados para descobrirmos a data da feitura dessas lápides, elas traziam vários numerais. A figura abaixo mostra uma cópia do texto de um lápide típica:

RVFVS SITA
EQVES
CHO.VIIII.TRACVM
ANN.XL
STIP IIXX
H F C
H S E



Como era de praxe entre os romanos, o texto contém inúmeras abreviações, mas as mesmas são bastante standard e isso torna fácil entender o que está inscrito. Com efeito: RVFVS SITA = Rufus Sita ( nome da pessoa sepultada; note que os antigos romanos nao tinham nem a letra U nem a J ); EQVES = eques = soldado de cavalaria; CHO.VIIII.TRACVM = ( serviu na ) nona coorte de thracianos; ANN.XL = ( morto com ) 40 anos; STIP IIXX = stipendium IIXX = recebeu salário durante 18 anos; H F C = heres faciendum curavit = sepultura construída pelo herdeiro; H S E = hic situs est = aqui repousa.



Observe o uso das formas VIIII e IIXX, para 9 e 18, que seriam consideradas totalmente absurdas no sistema romano-moderno, ou seja:

note que NÃO estamos nos limitando a exibir curiosidades para entreter alunos desmotivados, tais como meras diferenças caligráficas com o sistema romano que aprendemos na escola. Acima de tudo, estamos tratando de diferenças estruturais entre sistemas de numeração !


Bem, passemos aos numerais "romanos" da Idade Média:

Com o término do Império Romano, o Mundo Cristão lentamente iniciou a se desenvolver ao longo da Idade Média. A destruição e caos trazidos pelas invasões bárbaras e vikings afetou duramente os estudos na Europa, a qual viveu vários séculos de profunda ignorância e generalizado analfabetismo. Foi somente com a criação do sistema de ensino de Carlos Magno sec IX e, principalmente, com o Renascimento Científico sec XII, que a escrita e as atividades matemáticas voltaram à luz do dia.

Entre os poucos conhecimentos do Mundo Greco-romano que sobreviveram às invasões estavam o sistema romano e as técnicas de cálculo com o ábaco romano. Contudo, a ignorância e o isolamento fizeram com o sistema romano passasse a ter um número incontável de variantes: deturpações caligráficas dos algarismos tradicionais dos romanos, introdução de novos símbolos para os algarismos e uma enorme variedade nas regras de escritura dos numerais, resultando no que estamos chamando de sistema romano-medieval.

A figura ao lado foi tirada de um livro de aritmética já do final do sec. XVI, O misticismo dos números de Bongo c. 1 585, existente na coleção de raridades de David Smith. Observe que embora, nesta figura, a maioria dos algarismos sejam os do sistema romano-romano, o modo de escrever os numerais nem sempre seria reconhecível por um romano.



Contudo, com o surgimento da imprensa, houve uma rápida padronização que nos levou ao atual sistema de numeração romano, o que aqui estamos chamando de sistema romano-moderno. No próximo texto, trataremos disso com mais detalhe.

EXERCICIO:
Na Columna Rostrata, além do numeral já discutido acima, aparece um outro. Ele está na linha 13 e é escrito como: ( I ) ( I ) ( I )I )CC.
Pede-se dar seu valor.



algarismos mais comuns do sistema romano-romano e romano-medieval





O sistema romano-romano, provavelmente, é originário do sistema etrusco. Os romanos mantiveram o uso de base 5-10, porém inverteram o sentido da escritura dos algarismos de "da esquerda para direita" para "da direita para esquerda", e gradativamente tenderam a dar um formato mais ou menos literal aos algarismos. Contudo, em oposição à parte mais "letrada" do povo romano, como os burocratas e a aristocracia, a grande parte da população, por ter pouca ou nenhuma instrução, preferia usar os símbolos etruscos pois que mais espontâneos e fáceis de desenhar ou rabiscar. Disso tudo, resultava uma enorme variedade na forma dos algarismos e nas regras de escritura dos numerais.

Apesar dessa variedade toda, podemos dizer que entre eles a representação dos números gravitava em torno do seguinte sistema básico, que poderíamos chamar de "o" sistema romano-romano:



Se a variedade da escritura dos algarismos entre os romanos era grande, na Idade Média a situação ficou ainda mais caótica e seria impróprio querermos apontar um conjunto de algarismos que representasse o sistema romano-medieval: além dos símbolos romanos, usavam letras minúsculas e vários símbolos somente encontrados no período medieval.

Contudo, como já foi observado acima, o surgimento da imprensa provocou uma rápida padronização que nos levou ao atual sistema de numeração romano, o que aqui estamos chamando de sistema romano-moderno.

EXERCICIO
Entre os primeiros livros impressos era bastante comum encontrarmos numerais escritos no estilo romano-romano. Que explicacao poderia V. pensar para tal fato? Teria algo a ver com o espirito do Renascimento?
Essa prática chegou a ir ao século XVII, um exemplo sendo o muito famoso livro de R. Descartes: Discours de la méthode, o qual em sua página de rosto traz a data de publicação como  ( I ) I )CXXXVII, que pede-se escrever no sistema indo-arábico.

EXERCICIO
Talvez V. tenha atinado perguntar: mas, uma boa fonte de numerais romanos-romanos não seriam os ábacos romanos?
Bem, muito poucos dos ábacos romanos chegaram aos nossos dias. Ademais, não era costume romano escrever o valor das "casas" numéricas em seus ábacos. O ábaco da figura abaixo é uma importante exceção. Usando a tabela de David Smith, mostrada acima, pede-se identificar os algarismos inscritos no mesmo.



EXERCICIO
Na parte final da Idade Média tornou-se bastante popular representar numerais romanos através das letras minúsculas: i, v, x, etc, sendo que em final de numerais tendia-se a escrever j em vez de i. Assim, pede-se para transcrever para o sistema indo-arábico os seguintes numerais escritos entre os anos 1 100 e 1600:

dclxiiij
Cxxxiiij
( note o C maiúsculo; não existiam regras fixas! )
IIIIxxviii ( é ainda mais irregular! V. pode ver que indica 88? )

Princípio Subtrativo




Acima, nos concentramos mais na prova das diferenças "caligráficas" entre os sistemas romano-romano e romano-medieval versus o romano-moderno. Agora, passaremos a examinar as muito mais importantes DIFERENÇAS ESTRUTURAIS entre os três sistemas romanos. Iniciaremos esse exame, comentando sobre o uso do Princípio Substrativo.

O propósito desse princípio é expressar valores através da diferença entre um valor maior e um menor. Ainda hoje em dia, ele é frequentemente empregado em vários contextos, como é o caso da expressão de horas ( quando dizemos, por exemplo, são cinco para as onze ), e o caso da representação de números no sistema romano-romano ( quando escrevemos, por exemplo: IV em vez de IIII, ou XC em vez de LXXXX ).

Não há a menor dúvida de que os antigos romanos também conheciam o princípio subtrativo. O emprego mais comum que faziam do mesmo era em seu calendário.
Ao contrário do que fazemos, eles contavam os dias da frente para trás, usando como pontos de referência três dias especiais: as calendas, as nonas e os idos. Por exemplo, no més de março, as calendas eram o primeiro dia de março, as nonas ocorriam no dia 7 e os idos no dia 15, de modo que o dia 9 de março era denotado por VII Id., uma vez que ele era o sétimo dia antes do próximo ponto de referência que era o dia 15. Com efeito: 15, 14, 13, 12, 11, 10, 9.

NOTA:
Para uma pessoa leiga em História da Matemática parecerá que nossa conta acima está errada, e que os romanos deveriam denotar o 9 de março por VI Id, ou seja: seis dias antes dos idos. Bem, o modo de contar dos antigos romanos era diferente do nosso: em vez de fazer a subtração 15 - 9 = 6, eles enumeravam os números da lista: 15, 14, 13, 12, 11, 10, 9 )

Apesar de toda essa familiaridade com o Princípio Subtrativo, os antigos romanos raramente o empregavam fora do contexto de calendários. A tabela abaixo mostra seu procedimento normal - note que normal não significa obrigatório - em questões de numeração:

  1 2 3 4 5 6 7 8 9
unidades I II III IIII V VI VII VIII VIIII ou IX
dezenas X XX XXX XXXX L LX LXX LXXX LXXXX
centenas C CC CCC CCCC D DC DCC DCCC DCCCC
milhares ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) ( I ) D) D) ( I ) D) ( I ) ( I ) D) ( I ) ( I ) ( I ) D) ( I ) ( I ) ( I ) ( I )




O Coliseum de Roma:

nos dá a prova mais conhecida do raro e confuso uso do Princípio Subtrativo pelos antigos romanos.
Todo turista que visita Roma, não deixa de ir ao mais famoso edíficio da Antiga Roma: o Coliseum, terminado c. 80 dC e palco dos espetáculos de circo e gladiadores. Naquela época, para dar rápido acesso e saída a um público de até cerca de 50 000 pessoas, cada uma delas recebia uma ficha que indicava por qual portão ela devia adentrar. Dos 80 portôes originais, sobraram apenas 33 e eles estão enumerados como: XXIII, XXIIII, etc, XXVIIII, etc, XXXIII, XXXIIII, etc, XL, XLI, etc, XLIIII, etc até LV.
Observe como "na prática, a teoria pode ser outra": compare o numeral do portão 44, na foto abaixo, com o do 34! Também, não deixe de observar que o numeral da entrada 29 mostra que o uso da subtração IX não era uma unanimidade.



Essas divergências com o que aprendemos na escola sempre surpreendem os turistas e já vimos manifestação pública, via carta a jornal, de um deles dizendo que se sentia ludibriado por seus professores (  ... when I visited Rome and was walking through the Colosseum and saw that the portals were numbered XXXXII, XXXXI, XXXX, and then XXXVIIII. I remembered staring at it, thinking that this was not the way I was taught in the 5th grade, and I took a picture of the portal with its number... ). Ora, como estamos insistindo, uma coisa é o sistema romano-romano e outra é o romano-moderno.


Outras provas documentais:

Os mais diversos tipos de documentos podem ser usados para provar o uso, bastante diferente do nosso, do Princípio Subtrativo pelos antigos romanos. Um exemplo podem ser as inúmeras lápides de túmulos romanos, conforme já mencionamos em item anterior; a maioria dos respectivos numerais seguem a tabela dada acima.

É ainda maior a quantidade de documentos da Idade Média e que trazem numerais romanos escritos com o Princípio Subtrativo. Também esses documentos mostram uma grande irregularidade na aplicação desse princípio. Um exemplo é uma placa de mármore colocada numa das torres mandadas construir pelo Papa Alexandre VI c. 1 500 dC, nela foi inscrito:

ALEXANDER.VI.PONT.MAX
INSTAVRAVIT
AN.SAL.MCCCCLXXXXV


como era comum desde os antigos romanos, a inscrição contém muitas abreviações mas é fácil ver que a mesma refere-se ao ano 1 495; note que, além de não usar nenhum tipo de subtração, são usadas repetições de quatro algarismos, o que hoje seria uma imperdoável violação das regras ensinadas na escola! ( agradeço a Paul Lewis por este exemplo )

Uma especulação clássica:

É bastante comum as pessoas se indagarem a razão de os antigos romanos tenderem a escrever IX mas evitarem usar IV. Uma possível explicação seria que IV era a abreviação, que já observamos serem muito usadas, de IVPITER, o principal deus romano e que hoje escrevemos como Júpiter. Evitá-la corresponderia a "não usar o santo nome do Senhor em vão".

tentando resumir:



PRIMEIRO:
Entre os antigos romanos, o uso do Princípio Subtrativo era pouco comum e sua implementação bastante irregular. Tudo isso é compatível com o fato de que seu trabalho com números, da escritura ao cálculo, era baseado no uso do ábaco; a operação do qual não envolve o Princípio.

Na Idade Média o Princípio Subtrativo tornou-se gradativamente popular (  sistema romano-medieval ), mas foi só a partir da invenção da imprensa -- e consequente surgimento do romano-moderno -- que sua prática tornou-se obrigatória.
Tudo isso mostra que as diferenças entre o sistema romano-romano e romano-medieval versus o romano-moderno não se limitam a diferenças caligráficas: existem diferenças estruturais importantes.

SEGUNDO:
Outra regra que aprendemos na escola é a que diz ser proibido fazer subtrações como as de IXX e IIXX. Conforme foi mostrado acima, também essa proibição não é válida para o sistema romano-romano; embora seja relativamente raro encontrarmos IIXX e assemelhados.



EXERCICIO:
Escreva 24 e 44 no sistema romano-moderno e compare com o modo usado pelos romanos nos arcos dos portões do Coliseum.

EXERCICIO:
No que toca ao sistema romano-romano:

  • escreva as três maneiras que podiam usar para escrever 19.
  • quantas e quais seriam as maneiras de escrever 18 ?
Como ficaria a escritura de 18 e 19 no sistema romano-medieval?

EXERCICIO:
Em todos os meses romanos: as calendas eram o primeiro dia, as nonas eram no dia 7 dos meses longos ( os que tinham 31 dias ) e no dia 5 dos meses curtos, sendo que os idos ocorriam, respectivamente, no dia 15 ou no dia 13. Pede-se, então:
  • explicar por que um romano antigo diria que "os idos ocorrem nove dias depois das nonas".
  • escrever 9 de julho no sistema romano-romano
  • idem para 20 de março


EXERCICIO:
Traduza as seguintes datas para nossa maneira:
  • ante diem V idvs avgvstvs
  • ante diem IIII nonas martivs
  • pridie kalendas aprilis ( aqui precisamos dar mais uma informação: o dia anterior às calendas, nonas e idos era chamado de pridie e, então, sua denominação fugia do esquema explicado acima )


EXERCICIO:
Como é bastante sabido, os antigos romanos contavam os anos ab vrbe condita, ou seja desde o ano da fundação de Roma, que ocorreu em 753 AC.
Assim, pede-se:
  • dizer que ano os romanos indicavam por I
    ( recorde o que foi dito acima sobre o modo de contar dos antigos romanos )
  • explicar por que DCCLIIII corresponde a 1 dC
  • explicar por que 2 001 dC seria MMDCCLIIII


EXERCICIO:
Escreva cada data abaixo em termos de nosso calendário:
  • escreveria o grande poeta Horacius que nasceu: VI Id. Dec. A.V.C. DCLXXXVIIII = sexto die ante Idus Decembris ab urbe condita DCLXXXVIIII
  • o famoso imperador Augustus nasceu em: VIIII KAL. OCT. A.V.C. DCLXXXXI M. TULLIO CICERONE C. ANTONIO COSS = nono [die ante] Kalendas Octobris anno urbis conditae sescentensimo nonagensimo primo, Marco Tullio Cicerone Gaio Antonio consulibus.
    NOTA: a parte final dessa "datação" mostra um costume comum entre os romanos: mencionar o nome dos cônsules governando no ano; no caso de Augustus: Cícero e Gaius Antonius.
RESPOSTAS: 8 de dez. de 65 AC e 23 de set. de 63 AC

EXERCICIO:
Verifique que os romanos que fizeram o Coliseum NÃO obedeceram o que poderíamos chamar de Regra da Preferência: "os romanos preferiam escrever IIII a IV, mas tendiam a usar XIX em vez de XVIIII".



EXERCICIO:
Os primeiros relógios de ponteiro surgiram em plena Idade Média. Por exemplo, o mais antigo relógio de ponteiro ainda existente é o da catedral de Somerset, Inglaterra, que foi construído em 1 392. Tendo em vista isso, pergunta-se:

  • o mais tradicional seria usar algarismos indo-arábicos ou romanos para indicar as horas nos relógios de ponteiro?
  • ainda sob o ponto de vista da tradição, além da quarta hora, que outra hora é importante observar? Isso tem algo a ver com a Regra da Preferência?
  • Entre relógios mais recentes, tanto famosos como o Big Ben de Londres como não famosos, ainda se observa a Regra da Preferência?


EXERCICIO:
Complementando as observações sobre relógios, é de se observar que os colecionadores, verificando a presença de IIII ou IV, tem uma idéia da antiguidade do relógio: o IIII era predominante nos relógios de ponteiro fabricados até cerca de 1 800, depois disso passou a predominar o IV.

Contudo, mesmo hoje em dia, é comum vermos relógios de alto luxo trazerem o IIII; a idéia, aparentemente, é dar um aspecto "clássico" ao objeto. Por outro lado, essa insistência de os fabricantes ainda usarem o IIII, tem produzido várias tentativas de explicação para essa prática. Uma das mais plausíveis afirma que tudo teria o propósito de facilitar a construção dos moldes dos algarismos de ouro a serem usados para denotar as horas registradas pelo dial do relógio. Vejamos:

  • conte a quantidade de vezes que aparece cada algarismo na sequência romano-romano de horas: I II III IIII V VI VII VIII IX X XI XII
  • idem para a sequência romano-moderna: I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII
  • explique por que a sequência romano-romano permitiria fabricar os algarismos usando um único molde com um X, um V e cinco I. Qual o número de moldes necessários na sequência romano-moderno?

Escritura de grandes números





Os antigos romanos tinham muito pouca necessidade de representar números de grande valor. Isso, aliás, é mais uma razão da importância documental da Columna Rostrata. Durante a Idade Média, a Igreja Católica iniciou a prática de enumerar os anos a partir do nascimento de Jesus Cristo, o que propiciou a oportunidade de se escrever números razoavelmente grandes. Isso, por sua vez, levou ao surgimento desordenado de várias regras para escrever numerais para grandes números.

Dividiremos a história do enfrentamento deste problema em quatro períodos: o da repetição, o do vinculum, o do enquadramento e o da multiplicação.

uso da repetição:

foi o procedimento usado pelos antigos romanos e boa parte da Idade Média. Consistia em produzir numerais de grande valor pela repetição dos maiores algarismos. Seu uso já foi exemplificado quando tratamos da Columna Rostrata, onde os antigos romanos inscreveram o numeral 2 300 000 usando a repetição de 23 cópias do algarismo das centenas de milhares:  ( ( ( I ) ) ) .

A prática de se repetir um mesmo algarismo quatro ou mais vezes continuou comum até recentemente. Um desses exemplos mais recentes ainda pode ser visto na Igreja de Sant'Agnese fuori le Mura. Em seu interior temos vários numerais pintados ou inscritos, nenhum dos quais usa o Princípio Subtrativo. É especialmente interessante o forro da igreja; esse foi construído mais recentemente, no início do século XVII, sendo de madeira ricamente esculpida e no qual vemos a data 1 606 escrita como MCCCCCCVI ( agradeço a Paul Lewis por mais este exemplo ).

Ainda sobre a técnica da repetição, um documento bastante rico em exemplos dos mais diversos tipos é a Aritmética de Bongo, um pedaço de página da qual foi mostrado acima.

uso do vinculum:

Atualmente, no sistema romano-MODERNO, chama-se de vinculum a uma barra colocada em cima de um algarismo ou parte de um numeral. O algarismo ou parte de numeral por debaixo de um vinculum fica valendo mil vezes mais, e é somado ao eventual resto do algarismo. Por exemplo:

      _          _         _         _           _           _
      V = 5000 , X=10000 , L=50000 , C=100 000 , D=500 000 , M=1000000
          _                     ___
          XMMCXXV = 12 125  e   XIICXXV = 12 125.
Quando apareceu a prática do vinculum?

Bem, temos aqui outra questão historicamente delicada. O uso original que os antigos romanos faziam do vinculum, palavra que significa "algo que se coloca em cima da cabeça", era para distinguir num texto o que era numeral e o que era uma palavra. Isso era especialmente conveniente no caso de abreviações; exemplo, em IIIVIR os romanos colocavam o vinculum por cima do III para tornar claro que estavam falando de trium viri, ou seja: de três homens ou de um triunvirato.
Mas, o que há de "delicado" nisso? Bem, o problema é que em livros de Plinius e Cícero, romanos que viveram no primeiro século depois de Cristo, encontra-se o uso de vinculum em sentido estritamente numérico, como
__
XX.CD


para indicar 20 400. Contudo, isso não ocorre em outros autores romanos e tudo indica que esses vinculum tenham sido "enxertados" por copistas medievais.

Como consequência desse impasse, até recentemente acreditava-se que os antigos romanos nunca teriam usado o vinculum. Contudo, Georges Ifrah, ao examinar mais detalhadamente o Corpus Inscriptionum Latinarum, descobriu algumas inscrições com uso inequívoco de vinculum, como é o caso da inscr. 1 757 do vol. I do Corpus:

--------
LXXXIII



Na Idade Média o vinculum passou a se chamar titulus e, além do uso clássico na separação entre numerais e palavras, passou a ser usado no sentido estritamente numérico, embora raramente.

Assim que o uso do vinculum para indicar milhares é uma prática que tornou-se comum e normatizada apenas no sistema romano-MODERNO. Ademais, é exclusividade do sistema romano-moderno o uso de dois ou mais vínculos sobre um mesmo algarismo ou parte de numeral.

uso do enquadramento:

Tudo indica que os antigos romanos preferiram usar o enquadramento ao vinculum. O enquadramento surgiu na época imperial de Roma, consistia em envolver os algarismos por um retângulo sem base e com isso denotar que a parte envolvida ficava multiplicada por 100 000. O exame do Corpus Inscriptionum Latinarum mostra que seu emprego não deve ter sido comum, mas um exemplo é 13 x 100 000 escrito como:

 _______
|  XIII | 

Georges Ifrah descobriu um texto do escritor romano Suetônio, referente à biografia do Imperador Galba, que muito bem documenta o uso romano do vinculum e do enquadramento, bem como as confusões que isso podia provocar. Com efeito, Suetônio conta que a mãe do Imperador Tibério escreveu em seu testamento que deixava a seu outro filho, Galba, uma importância que era denotada por CCCCC encimado pelo que não se podia ter certeza se era um vinculum ou um enquadramento. Como V. deve estar suspeitando, Tibério questionou se devia pagar 500 x 1 000 sestércios ou os 500 x 100 000 sestércios que exigia Galba. Como a primeira interpretação era a favorável a Tibério, foi essa a quantia que o juiz mandou pagar a Galba ...

uso de notação multiplicativa:

Acima, já mostramos um exemplo, e ele melhor do que palavras explica a idéia da multiplicação: IIIIxxviii significa 4 x 20 + 8 = 88.

Qualquer estudioso de sistemas de numeração sabe que a tendência de todo sistema aditivo, como o romano, é de se transformar num sistema multiplicativo. Contudo, no caso dos romanos, isso provavelmente nunca chegou a ocorrer. É bem verdade que encontramos nas obras de Plinius, c. 50 dC, o uso de XIIM para indicar 12 000. Contudo, certamente isso não deve ser visto como um numeral e sim como a abreviação de "XII mille". Ademais, trata-se de um caso isolado e não podemos ter certeza de que esse XIIM não tenha sido introduzido por um copista medieval das obras de Plinius.

Assim, pode-se afirmar com razoável certeza que foi somente na Idade Média que se começa a usar a notação multiplicativa. David Smith nos relata vários exemplos desse uso:

IIIIormilia.cccal.vi para 4 356, em um livro de c. 1300
IIIM para 3 000, num livro de um tal de Noviomagnus c. 1 550
vj.C para 600, pelo famoso Robert Recorde c. 1 550

Contudo, a notação multiplicativa mais popular parece ter sido a usada na muito difundida Aritmética de Sacrobosco, de c. 1450 e um dos livros mais estudados na Idade Média. A notação de Sacrobosco é de difícil realização no computador, mas era parecida com

c
MM

para denotar 100 000 000, sendo que outros autores da época também escreviam o coeficiente multiplicador embaixo do multiplicando.

Como seria de se esperar, essas notações complicadas foram sabotadas pelos primeiros impressores e acabaram por desaparecer. Disso tudo acabou sobrevivendo, no sistema romano-moderno, apenas o vinculum, o emprego do qual foi normatizado no início do século XX.
Na segunda parte dessa matéria, abordaremos sistemáticamente as regras do sistema romano-moderno e, em particular, o emprego moderno do vinculum.



cálculo numérico romano



Não queremos alongar demasiadamente esse texto, mas não podemos deixar de comentar alguma coisa sobre os procedimentos de cálculo dos romanos.
Conforme já observamos, o sistema de numeração romano estava intimamente relacionado com o ábaco romano. A posição e a quantidade das pedrinhas colocadas no ábaco é quem determinavam os algarismos a usar e a quantidade de repetições a fazer na representação escrita de cada número disposto no ábaco.

Por outro lado, é opinião corrente entre os leigos em História da Matemática que o sistema romano era tão ineficiente que tornava quase impossível fazer multiplicações e divisões. A verdade é bem outra. Exatamente por sua dependência com o ábaco,
o sistema romano permitia que um abacista fizesse multiplicações e divisões muito mais fácil e rapidamente do que hoje somos capazes de fazer.
Como já dissemos, não queremos alongar mais esse texto e assim recomendo que nosso visitante estude o artigo Arithmetic with Roman numerals, de James Kennedy, no American Mathematical Monthly, de janeiro 1 981, para uma detalhada demonstração da facilidade e eficiência aritmética do sistema romano.

Para terminar: o sistema indo-arábico foi introduzido na Europa cerca de 1 200 dC, e precisou de 400 anos para acabar superando o sistema romano. A longa sequência de acontecimentos envolvidos forma o que se chama de Conflito abacistas versus algoristas, e é relatado em bons textos de História da Matemática.

bibliografia e agradecimentos

P A R A     A P R O F U N D A M E N T O:

  • D. E. Smith: History of Mathematics,
    Dover, NY, 1 953
  • Karl Menninger: Zahlwort und Ziffer, 2nd ed. Vandenhoeck, Gottingen 1958
  • R. Bombelli: Dell'antica numerazionne italica. Roma, 1 876.
  • Georges Ifrah: História Universal dos Números, 2 vols. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1 997
  • Giacardi Livia & Roero Clara S.:L'origine della numerazione romana: un'ipotesi di Giuseppe Nicasi sul modo di contare dei contadini di Morra; con una nota di M. Raffaella Trabalza,
    Foligno: Edizioni dell'Arquata, 109 pages, 1987. Series: Centro studi "Cristiano Mancini" per la storia del pensiero matematico; 1.
  • Friedlein Gottfried: Die Zahlzeichen und das elementare Rechnen der Griechen und Romer und des christlichen Abendlandes vom 7. bis 13. Jahrhundert,
    Erlangen, 1869.
  • Arch Hist Ex. Sci. 15 (1981)
  • Kennedy, James G.:Arithmetic with Roman numerals,
    Am. Math. MONTHLY, vol 88, pp 29-32 (1981).
  • Detlefsen M., Erlandson D. K., Heston J. C., Young. C. M.: "Computation with Roman Numerals"
    AHES, vol 15, no 2, pp 141-148, 1976.
  • Jose Augusto Sanchez Perez: La aritmetica en Roma, en India y en Arabia,
    Madrid, Granada, 263 pages, 1949.
  • Taisbak Christian Marinus: Roman Numerals and the Abacus,
    Classica et Mediaevalia, Vol. 26, 1965. Journal of philology and history on Graeco- Roman Antiquity and the Middle Ages. ISSN 0106-5815.
F O N T E S   D O C U M E N T A I S

Theodore Mommsen, ed.: Corpus Inscriptionum Latinarum, Berlin, desde 1 862.

A G R A D E C I M E N T O S:

- a Júlio Gonzalez Cabillon por algumas das referências acima
- a Pyrrha's Roman House por várias informações arqueológicas
- a Hilary Gowen, pelas preciosas informações sobre a cultura dos antigos romanos e sobre as guerras púnicas, em seu site: www.barca.fsnet.co.uk .
- a Paul Lewis por várias informações sobre documentos contendo repetição de algarismos;
   visite seu muito instrutivo site sobre numeração romana: www.deadline.demon.co.uk/roman/front.htm .


volta

versão: abril - 2 011
localize esta página em: http://athena.mat.ufrgs.br/~portosil/histo2.html

© 2 001, por J.F. Porto da Silveira ( portosil@mat.ufrgs.br )
permitida a reprodução, desde que com fins acadêmicos não comerciais e que seja citada a autoria.
Art. 299 do Código Penal Brasileiro ( Crime de Falsidade Ideológica ):
Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar ou nele fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser descrita.