MAT-318 Análise A Prof. Eduardo
INTRODUÇÃO
A matemática se divide em alguma grandes áreas: Análise, Álgebra, Geometria, etc. A Análise é o estudo dos processos infinitos, ou de limite, por exemplo, derivadas e integrais. Estes processos aparecem em vários contextos, alguns mais, outros menos sofisticados. Uma das situações mais simples em que eles aparecem é no estudo das funções de uma variável real, a chamada Análise na Reta, o objetivo do presente curso. Posteriormente pode-se estudar a Análise no(funções de várias variáveis reais), a Análise Complexa (funções
), a Análise Funcional (funções entre espaços de dimensão infinita), etc.
De um ponto de vista prático, pode-se dizer, com um certo grau de correção, que no curso de Análise na Reta vamos estudar a teoria do Cálculo. De fato, vamos ter dois grandes objetivos. Um primeiro objetivo é o de estudar alguns conceitos, fatos e teoremas relevantes. Mas haverá um segundo objetivo, que é tão ou mais imprtante que o primeiro, e é o de aprender a pensar e a se expressar com rigor em Matemática. Em Cálculo tudo era explicado e justificado com base em argumentos geométricos e físicos, com forte apelo intuitivo. A intuição vai sempre desempenhar um papel importante na atividade matemática, mas conforme pretendemos mostrar com alguns exemplos abaixo, existem situações em que a intuição falha completamente e só o raciocínio rigoroso pode nos orientar.
Ao longo do curso vamos ter sempre em mente a preocupação de pensar e provar tudo com rigor. Um dos objetivos centrais vai se o aluno aprenda a expressar-se com rigor. Quem não consegue se expressar com rigor é porque, na verdade, não tem as idéias bem claras. Mais tarde na vida, o matemático até pode, às vezes, dar-se ao luxo de se expressar de maneira menos rigorosa, pois sabe que, sempre que precisar, poderá voltar ao rigor. Mas no momento, nesta fase de aprendizado, isto não é desejável. Ao longo deste semestre vamos estar desenvolvendo uma habilidade. Será, portanto, indispensável praticar. Assim como não se aprende a jogar futebol ou a nadar simplesmente observando alguém fazendo isto, assim também, para desenvolver estas habilidades matemáticas, vai ser necessário ao aluno que pratique muito. Para isto é absolutamente indispensável que o aluno trabalhe e pratique nas listas de exercício. Elas são parte integrante do curso.
Vamos passar agora a ver alguns exemplos de fatos nos quais nossa intuição não ajuda muito, e que ao final deste semestre, graças ao rigor matemático e aos conhecimentos adquiridos neste curso, vamos estar aptos a entender.
1. Funções não diferenciáveis. Intuitivamente uma função contínua é aquela cujo gráfico pode ser desenhado sem levantar o lápis do papel e uma função contínua é derivável em um ponto, se seu gráfico admite uma reta tangente neste ponto. É fácil dar exemplos de funções contínuas que não tenham derivadas em um número finito de pontos, por exemplo, uma função cujo gráfico é uma serra.ponto, se
![]()
Ainda é fácil imaginar uma função contínua que tenha uma infinidade de pontos onde não seja derivável, por exemplo a função dada pelo gráfico da figura ao lado. No entanto se perguntarmos se uma função contínua pode não ter derivada em nenhum ponto, nossa intuição será de pouca ajuda para responder a pergunta. De fato, muitos matemáticos famosos do século XIX achavam que a resposta era não, até que em 1873 Weierstrass deu um exemplo de uma tal função. Weierstrass provou que a função é contínua em todos os pontos, mas não tem derivada em nenhum![]()
for um número real satisfazendo
(esta condição garante a convergência da série) e se
for um inteiro positivo ímpar satisfazendo
. Note que aqui só mesmo uma prova rigorosa pode nos convencer da veracidade deste fato, nossa intuição não nos pode ajudar. Por exemplo não há nenhuma razão intuitiva para a desigualdade acima sobre o produto
. No final do semestre pretendemos estudar o exemplo de Weierstrass e vamos ver que Van Der Waerden, em 1930, deu um exemplo onde a justificativa é bem mais simples. Finalmente, cabe mencionar que Hardy, em 1919, mostrou que a função de Weierstrass é não diferenciável sob a hipótese mais fraca de
. Para quem já estudou séries de Fourier, note que a função de Weierstrass é uma série de Fourier.
2. Integração termo a termo. Uma questão que vai no ocupar bastante, devido a sua importância nas apliacações é a de determinar condições sob as quais vale queComeçamos por observar que para somas finitas isto é verdade. Portanto,
Fazendopara todo
![]()
, do lado direito o limite é
. A questão é, então, saber se
. Chamando
, a questão pode, então, ser reformulada em termos de limites de seqüências, saber condições sob as quais vale que
EXEMPLO:![]()
a seqüência
![]()
Sejam as funções dadas pelo gráfico da figura ao lado. A integral
pois representa a área de um triângulo de base
e altura
. Por outro lado, para cada
fixado,
, a partir de certo ponto fica constante igual a 0 (fixado
, considera o número real positivo
. Existe um inteiro
. Para todo
tem-se
.). Logo
. Logo
Portanto neste exemplo não vale a igualdade![]()
.
EXEMPLO: A função de Dirichlet.
Sejaa função dada por
![]()
É surpreendente que esta função também se expresse porDe fato, para cada![]()
, define
. Se
for inteiro,
e, portanto,
. Se
não for inteiro, então
e portanto
. Logo, para cada
fixado,
para um número finito de pontos, somente para os
que são racionais com denominador
.
Temos então que,
são integráveis com
. O problema é que
não é integrável. Ela oscila demais entre os valores 0 e 1 para que possa ser integrada. Ou seja, a igualdade
falha também, mas por outra razão: um dos lados não está definido.
Para ganhar um entendimento desta questão vai ser necessário introduzir um novo conceito, o de convergência uniforme. Vamos estudar um teorema que diz que se assão integráveis e convergem uniformemente para
, então
também é integrável e vale a igualdade
,
.
3. Derivação termo a termo. É exatamente a mesma questão do item acima, só que para a derivação. Precisamente, se as funçõessão deriváveis e se
, quando
, segue que
? Aqui também em geral a resposta será não, como mostram alguns exemplos abaixo. Para obter uma resposta positiva será necessário fazer um estudo cuidadoso, no quel a noção de convergência uniforme desempenha um papel importante.
EXEMPLO: Sejame
. Como
, segue que
, quando
. No entanto,
não tende a
, quando
.
EXEMPLO: Seja,
e sejam
,
. Os gráficos das
são hipérboles que aproximam por cima o gráfico do módulo de
. Temos <
, quando
. Mas não se tem a mesma coisa para as derivadas, e isto por uma razão muito simples, a função
nem ao menos é derivável no ponto 0.
4. Conjuntos Infinitos. Vamos precisar estudar um pouco os conjuntos infinitos e classificá- los quanto à quantidade de elementos (cardinalidade). Vamos ver que o tipo mais simples são os chamados conjuntos infinitos enumeráveis, aqueles que formam uma infinidade não tão grande, de modo a que seus elementos podem ser listados, isto é, dispostos em uma seqüência. Por exemplo, o conjuntodos números inteiros é enumérável, a seqüência
contém todos os seus elementos. Não é nada intuitivo, mas vamos ver que o conjunto
dos números racionais também é enumérável. De fato, é bastante surpreendente que seja possível dispor todas as frações em uma seqüência. Já um intervalo
é não enumerável, seus elementos são tantos que não podem ser dispostos em uma seqüência.
5. Funções Monótonas. Uma função monótona (crescente ou decrescente) pode ter vários pontos de descontinuidade, como na figura ao lado. Vamos demonstrar que um teorema que afirma quea construção de uma tal função é possível ou não, no entanto, relativamente cedo no semstre, já estaremos em condições de realizá-la.
![]()
mesmo que exista uma infinidade deles, vai ser um conjunto infinito enumerável. Como foi dito acima o conjunto dos números racionais é infinito enumerável. Pode-se, então, perguntar se é possível construir uma função monótona, definida em um intervalo , que seja descontínua em todos os racionais do intervalo
. Aqui, novamente, nossa intuição não consegue nos convencer se
6. Teorema Fundamental do Cálculo. No estudo das funçõesos dois conceitos principais são os de derivada e integral. Apesar de serem definidos de maneira bastante independente, existe uma relação estreita entre esses dois conceitos. O Teorema Fundamental do Cálculo nos diz que se a função
for derivável e se sua derivada
for integrável, então
Como conseqüência, temos o método mais comumente empregado para o cálculo de integrais. Se quisermos calcular a integral![]()
de uma função integrável
, começamos por procurar uma primitiva
para
, isto é, uma função derivável
tal que
para todo
. Se este projeto for realizável, pode-se empregar o Teorema Fundamental do Cálculo para obter o valor da integral de
:
Neste ponto, temos uma questão simples e importante, que merece ser investigada: toda função integrável em um intervalo possui uma primitiva? Veremos que a resposta é não, embora não seja nada intuitivo. Cabe ainda perguntar: é possível caracterizar a classe de todas as funções que possuem uma primitiva, ou pelo menos, qual é uma classe de funções suficientemente ampla e simples de caracterizar, que possuem primitiva? Este é um tipo de questão estudado na Análise.![]()
7. Teorema da Aproximação de Weierstrass. Este teorema, que vamos provar perto do final do semestre, afirma que seé uma função contínua definida em um intervalo fechado, então
pode ser aproximada por polinômios, mais precisamente, existe uma seqüência
de polinômios, tal que
uniformemente.
No segundo exemplo do item 3, consideramos uma siuação em quesão deriváveis,
, quando
, mas o mesmo não vale para as derivadas, pela razão que a derivada
não existe em um ponto. Pode-se tornar o exemplo mais interessante, encontrando uma situação em que a derivada
deixa de existir uma um conjunto maior de pontos, mas é muito difícil para nossa intuição imaginar um exemplo em que apesar das funções
serem deriváveis em todos os pontos, a função limite
não tenha derivada em nenhum ponto. A seguir indicamos como isto pode ser conseguido com a ajuda do Teorema da Aproximação de Weierstrass.
Note que no item 1, mencionamos que existem funçõescontínuas em todos os pontos, mas que não têm derivada em nenhum ponto. Seja
uma tal função. Pelo Teorema da Aproximação de Weierstrass, existem polinômios
, tal que
uniformemente. Em particular poliinômios são infinitamente diferenciaveis.
8. Séries de potências. Como chamamos a atenção acima, nem sempre pode-se integrar ou derivar termo a termo uma seqüência convergente de funções. No entanto vamos ver que para séries de potências isto é sempre possível. Para isto vai ser importante estudar as propriedades de convergência uniforme das séries de potências no interior de seus intervalos de convergência. Vamos ver que toda série de potências com raio de convergência positivo representa uma função infinitamente diferenciável (que tem derivadas de todas as ordens), mas que nem toda função infinitamente diferenciável pode ser representada por uma série de potências (uma função que possa ser representada por uma série de potências é dita analítica). Portanto os polinômios que, pelo Teorema da Aproximação de Weierstrass, convergem uniformemente paranão são necessariamente seus polinômios de Taylor. Que polinômios são estes, então? Dada uma função
contínua, qual seria uma seqüência simples
de polinômios convergindo uniformemente para
? Compondo com uma mudança linear de variável, basta saber responder esta pergunta no caso particular
. Provaremos que se
é contínua, então os polinômios de Bernstein de
, definidos por
convergem uniformemente para![]()
, quando
. Foi o matemático russo S. Bernstein que, em 1912, descobriu este fato. Bernstein era um probabilista e uma observação curiosa é que, de fato, seu teorema tem uma interpretação probabilística. Afinal
em probabilidade representa a distribuição binomial: a probabilidade de obter extamente![]()
vezes cara em
lançamentos, se em cada lançamento a probabilidade de obter cara é
(e, conseqüentemente, a probabilidade de obter coroa é
).
9. Lema de Riemann-Lebesgue. Dadaintegrável estudaremos um resultado, conhecido como Lema de Riemann-Lebesgue, que afirma que
Este resultado desempenha um importante papel no estudo da convergência das séries de Fourier. Sesen
![]()
é derivável, com
integrável, obtém-se por integração por partes (por sinal a integração por partes é uma aplicação imediata do Teorema Fundamental do Cálculo),
sen
sendo então mais ou menos claro que esta expressão vai a 0, pois![]()
, quando
.
O problema com o raciocínio acima é: e senão for derivável? Ou se for derivável, mas
não for integrável? Como se procede, então? Estaremos aqui, diante de um exemplo de uma situação em que se emprega uma técnica muito comum em análise, a de aproximação. Dada uma função integrável
, primeiro arranjamos funções escada
, próximas de
no sentido que
Em seguida mostramos que para as funções escada vale que
Finalmente combinamos estas duas informações:sen
![]()
![]()
Como cada uma das parcelas da última linha acima podem ser tornadas pequenas, vai seguir que![]()
sen
![]()
Comentário Final. Esperamos que os exemplos ajudem a dar uma idéia do que é a Análise e do tipo de raciocício que ela envolve e pretende desenvolver. Todos eles e muitos outros serão abordados ao longo do semestre.
Eduardo H. M. Brietzke