Espelho Parabólico




Consideremos o problema de determinar qual a forma que deve ter um espelho para que tenha a propriedade que, quando um feixe de raios paralelos incidir sobre o espelho, os raios refletidos se concentrem em um único ponto $ O$, o foco do espelho. Este é o tipo de espelho que deve ser usado em um telescópio, a fim de produzir uma imagem perfeita. Outra situação em que este espelho é usado é em uma antena parabólica (veremos que esta deve ser a forma do espelho). Invertendo o sentido de percurso dos raios, o mesmo tipo de situação se apresenta quando emitimos um sinal, a partir de ponto $ O$, e desejamos que este sinal seja captado em um outro ponto, a grande distância. Fazemos com que ele seja refletido por um anteparo. A fim de que o sinal possa ser captado facilmente, não queremos que ele perca muito em intensidade. Por isto vamos querer que os raios refletidos saiam paralelos. Assim evitamos a dispersão. O sinal transmitido vai perder muito pouco em intensidade e só vai poder ser captado em pontos que estiverem sobre a semi-reta partido da fonte, com a direção escolhida. A questão a ser considerada agora é a determinar a forma que deve ter um espelho para que os raios emitidos por uma fonte localizada um ponto $ O$ sejam todos eles refletidos paralelamente.

           O espelho é uma superfície $ \mathcal{S}$, mas cortando a superfície $ \mathcal{S}$ por um plano que passa pelo ponto $ O$, obtemos uma curva $ \mathcal{C}$. Vamos considerar, então, o problema de determinar a forma da curva $ \mathcal{C}$. Temos agora um problema em um plano. Colocando neste plano um sistema de coordenadas de modo que a origem fique sobre a fonte luminosa $ O$ e o eixo dos $ X$ seja paralelo aos raios refletidos. Temos que resolver um problema puramente geométrico, representado na figura abaixo.

\begin{picture}(270,220)
\put(0,80){\line(1,0){270}}
\put(110,0){\line(0,1...
...zier(90,80)(90,40)(170,0)
\qbezier(230,187)(200,174.5)(170,160)
\end{picture}

           O problema que queremos resolver é o de determinar as curvas $ \mathcal{C}$ com a propriedade descrita a seguir. Dado um ponto $ P$ qualquer sobre $ \mathcal{C}$, seja $ t$ a reta tangente à curva $ \mathcal{C}$ no ponto $ P$. Seja $ \alpha$ o ângulo entre a tangente $ t$ e o eixo $ X$ (ou se, preferir, o raio refletido no ponto $ P$) e seja $ \beta$ o ângulo entre a reta $ t$ e o raio $ \overline{OP}$. Pela lei da reflexão, queremos determinar as curvas $ \mathcal{C}$ que tenham a propriedade que $ \alpha=\beta\,$.

           Vamos procurar a função $ y=y(x)\,$, cujo gráfico é a curva $ \mathcal{C}$. Seja $ \,P=(x,y)\,$ um ponto genérico de $ \mathcal{C}$. Temos $ \,\alpha=\gamma\,$, pois são ângulos com lados paralelos (um deles é até comum). Logo $ \,\beta=\gamma\,$ e o triângulo $ OPR$ é isósceles. Logo $ \,\overline{OP}=\overline{OR}\,$. Mas $ \,\overline{OP}=\sqrt{x^2+y^2}\,\rule{0.cm}{0.45cm}$. Pela interpretação geométrica da derivada,
$\displaystyle \frac{dy}{dx}=\tan\gamma=\frac{\;\overline{PQ}\;}{\overline{RQ}}=...
...ne{OQ}+\overline{OR}}=
\frac{\overline{PQ}}{\overline{OQ}+\overline{OP}} \ .
$
Logo
$\displaystyle \frac{dy}{dx}=\frac{y}{x+\sqrt{x^2+y^2}} \ ,$ (1)

que é uma equação diferencial satisfeita pela curva $ \mathcal{C}$.

Resolução da equação diferencial (1):

Trata-se de uma equação diferencial homogênea. É perfeitamente possível resolvê-la empregando os métodos vistos em aula (faça como exercício). No entanto, resulta um pouco mais simples transformá-a na equação

$\displaystyle \frac{dx}{dy}=\frac{x+\sqrt{x^2+y^2}}{y} \ ,$ (2)

que também é homogênea, pois pode ser reescrita como

$\displaystyle \frac{dx}{dy}=\frac{x}{y}+\sqrt{1+\left(\frac{x}{y}\right)^2} \ ,
$

com o lado direito dependendo somente da razão $ x/y$. Introduzindo a nova variável independente

$\displaystyle u=\frac{x}{y} \ \ ,\qquad x=y\,u \ \ ,\qquad
\frac{dx}{dy}=u+y\,\frac{du}{dy} \ \ ,
$

obtemos a equação

$\displaystyle u+y\,\frac{du}{dy}=u+\sqrt{1+u^2} \ ,
$

isto é,

$\displaystyle y\,\frac{du}{dy}=\sqrt{1+u^2} \ .
$

Separando as variáveis,

$\displaystyle \int\frac{dy}{y}=\int\frac{du}{\sqrt{1+u^2}} \ .
$

A segunda integral é calculada por uma substituição trigonométrica $ \,u=\tan s\,$, $ \,du=\sec^2 s\,ds\,$,

$\displaystyle \int\frac{du}{\sqrt{1+u^2}}=\int\frac{\sec^2 s\,ds}
{\sqrt{1+\ta...
...ds=\ln\lvert\tan s+\sec s\rvert=
\ln\left\vert u+\sqrt{1+u^2}\right\vert \ .
$

Logo

$\displaystyle \ln\lvert y\rvert+\ln C=\ln\left\vert u+\sqrt{1+u^2}\right\vert \ .
$           ($ C>0$)

Logo

$\displaystyle C\,y=u+\sqrt{1+u^2}=\frac{x}{y}+\sqrt{1+(x/y)^2} \ .
$

Multiplicando por $ y$,

$\displaystyle C\,y^2-x=\sqrt{x^2+y^2} \ .
$

Elevando ao quadrado,

$\displaystyle C^2\,y^4-2\,C\,x\,y^2+x^2=x^2+y^2 \ ,
$

ou seja,

$\displaystyle C^2\,y^4-2\,C\,x\,y^2=y^2 \ .
$

Dividindo por $ y^2$,
$\displaystyle C^2\,y^2-2\,C\,x=1 \ .$ (3)

Esta equação representa uma família de parábolas (deitadas).

Interpretação da solução:

Uma maneira simples de localizar no plano a família de parábolas dada pela equação (3) é completar o quadrado, reescrevendo como,

$\displaystyle C^2\,y^2+C^2\,x^2=1+2\,C\,x+C^2\,x^2 \ ,
$
isto é,
$\displaystyle C^2\,\bigl(x^2+y^2\bigr)=\bigl(1+C\,x\bigr)^2 \ .
$
Dividindo por $ C^2$, obtém-se
$\displaystyle x^2+y^2=\left(x+\frac1C\right)^2 \ ,
$
ou, extraindo a raiz quadrada,
$\displaystyle \sqrt{x^2+y^2}=x+\frac1C \ .$ (4)

O lado esquerdo da igualdade (4) representa a distância do ponto $ \,P=(x,y)\,$ à origem,

\begin{picture}(230,220)
\put(0,80){\line(1,0){220}}
\put(80,0){\line(0,1)...
...zier(60,80)(60,40)(140,0)
\qbezier(200,187)(170,174.5)(140,160)
\end{picture}    

enquanto que o lado direito representa a distância do ponto $ P$ à reta vertical $ \displaystyle\,x=\frac1C\,$. A igualdade (4) nos diz que cada curva da família $ \mathcal{C}$ é caracterizada a partir de uma reta diretriz $ r$, de equação $ x=1/C\,$. Vale então a propriedade que, para um ponto $ P$ qualquer sobre a curva $ \mathcal{C}$, a distância $ \overline{OP}$ de $ P$ ao foco $ O$ é igual à distância $ \overline{OS}$ de $ P$ à reta diretriz $ r$. A cada valor escolhido para a constante $ C>0$ obtém-se uma parábola $ \mathcal{C}$. Fazendo variar $ C$, o foco continua na origem e a reta diretriz se desloca. Fazendo variar $ C$ nos positivos, o plano menos o semi-eixo positivo dos $ \,X\,$ se decompõe numa família de parábolas.
Se cortarmos a superfície $ \mathcal{S}$ por um outro plano passando pelo foco $ O$, a seção resultante seria também uma parábola membro da mesma família, em princípio não necessariamente a mesma parábola. Mas na verdade deve dar a mesma parábola, pois caso contrário teríamos uma descontinuidade na superfície $ \mathcal{S}$, já que diferentes parábolas da família $ \mathcal{C}$ têm vértices distintos.

Conclusão:

Os únicos espelhos com a propriedade que, quando sobre eles incide um feixe de raios paralelos, os raios refletidos concentram-se em um único ponto $ O$, são aqueles que têm a forma de um parabolóide de revolução. Além disto, é preciso que os raios incidentes sejam paralelos ao eixo do parabolóide. O ponto $ O$ vai se situar no foco do parabolóide. Em particular, epelhos esféricos têm sempre uma aberração, os raios refletidos não se concentram exatemente em um único ponto.


Eduardo H. M. Brietzke