Polinômios de Legendre - parte 1
Vamos estudar a equação de Legendre
onde é um parâmetro real a ser escolhido. Vamos ver adiante que esta equação é muito importante nas aplicações. é um ponto ordinário, pois as funções e são analíticas neste ponto. Suas séries têm raio de convergência (são séries geométricas de razão , por exemplo, ). Logo a solução é da formacom raio de convergência . Substituindo na equação temosFazendo a mudança de índice no 1 somatório, ele se transforma emPodemos usar qualquer outra letra no lugar da letra , inclusive a letra novamente. O 2 e o terceiro somatórios podem ser começados em (fazendo isto entram mais duas parcelas para a soma, só que são ambas nulas) . Feito isto, podemos reunir todos os termos em um único somatórioObtemos, daí, a fórmula de recorrênciaparaque pode ser reescrita comoComo vamos aplicar esta fórmula repetidas vezes, com vistas a uma possível simplificação, convém fatorar o numerador. Considerando como variável e como constante, o trinômiotem raízes e e, portanto, se fatora comoFinalmente, a fórmula de recorrência toma a formaEscolhendo, primeiro e e depois e , obtemose,que são duas soluções linearmente independentes com raio de convergência . Uma observação extremamente importante é que se , então uma destas duas soluções é um polinômio de grau . Por exemplo,É fácil ver que estes polinômios e seus múltiplos são as únicas soluções polinomiais da equação de Legendre. Para padronizar uma maneira de escolher estes múltiplos, multiplicamos por constantes convenientes de modo a ter que o polinômio assume sempre o valor 1, para . Normalizados desta maneira, são chamados de polinômios de Legendre e denotados por . Assim e .
Para , satisfaz . Logo .
Para , satisfaz e, portanto, .
Analogamente se deduz que .
Para ver uma lista dos primeiros polinômios de Legendre e seus gráficos, clique aqui
Vamos encontrar outra solução linearmente independente para a equação de Legendre pelo método visto na 1 área.
Para , procuramos outra solução na forma . É fácil ver que deve satisfazer
que, pondo , se reduz à equação separável de 1 ordempara a qual encontramos a solução . Segue que . Como estamos interessados em resolver a equação no intervalo , podemos dispensar os módulos e, finalmente,Vê-se queeComo já tínhamos, pelo teorema, que , concluímos então que, para , .
Conclusão: Para , a equação de Legendre tem duas soluções linearmente independentes, uma delas o polinômio e a outra a função ilimitada no intervalo . Logo as únicas soluções limitadas no intervalo são os múltiplos de .
Para , de maneira análoga, duas soluções linearmente independentes sãoeAquiVale, portanto, a mesma conclusão, isto é, para a equação de Legendre com as únicas soluções limitadas no intervalo são os múltiplos de .
Continuando este mesmo procedimento, para , temosee, para ,eEm geral mostra-se, mas isto não será feito aqui, que uma segunda solução da equação de Legendre éonde é o maior inteiro que é menor ou igual a .
Conclusão: Qualquer que seja , as únicas soluções limitadas no intervalo da equação de Legendre são os múltiplos do polinômio .
OBS. Um fato verdadeiro, mas que não ficou justificado ainda, é que para outros valores de , que não os da forma , a equação de Legendre não tem solução limitada no intervalo , além da trivial. Os livros que dão um tratamento mais elementar costumam ser omissos neste ponto, mas vamos dar aqui uma justificativa, (conforme Courant-Hilbert, Methods of Mathematical Physics, vol. 1, pag. 325).
Afirmação: Se não é um inteiro , não existe solução que seja limitada no intervalo para a equação de Legendrea não ser a solução trivial .
Demonstração:
Começamos notando que se é uma solução da equação de Legendre, então também é. Logo as funções e também são soluções. Mas é par e é ímpar, com . Portanto, para provar que se não é um inteiro a equação de Legendre não tem solução não trivial limitada no intervalo , basta provar que não existe uma solução limitada que seja par ou ímpar. Basta mostrar que se for uma solução da equação de Legendre, limitada no intervalo , par ou ímpar, então para algum e é um polinômio. Chamamos . A fórmula de recorrência pode ser reescrita comoe, portanto,Note que o numerador nunca será nulo. Supondo par (ímpar) vamos ter somente para par (ímpar). Vamos supor que uma dessas duas situações ocorre. Aplicando a recorrência repetidas vezes obtemos
onde é par (ímpar) se for par (ímpar). EntãoVamos deixar , mantendo fixo, mas suficientemente grande para que e portanto . Para concluir o raciocínio, necessitamos um resultado auxiliar.
Lema 1. Para todo com , vale .
Demonstração:
Usando a série de Taylorpara todo com e segue a desigualdade.
Lema 2. Se , para todo , com , então
Demonstração:
Pelo Lema 1, para cada fator, tem-seSegue que
Aplicando o Lema 2 à desigualdade obtida acima, segue que existe uma constante tal quepara todo par (ímpar)Como a série dos , par (ímpar) é divergente, segue que se torna arbitrariamente grande para próximo de 1 e grande, mostrando que , provando a afirmação.
Fórmula de Rodrigues: Vale a seguinte expressão para os polinômios de Legendre:Não demonstraremos este fato aqui, apenas diremos que ele pode ser provado em 3 etapas:Seja .
1) Como tem grau , tem grau .
2) Mostrar que satisfaz a equação de Legendre.
3) Mostrar que .
Como é o único polinômio que satisfaz a equação de Legendre e assume o valor 1 para , fica então provado que .
Função Geradora: A função satisfazpara eNão daremos propriamente uma demonstração deste fato. Apenas notamos que substituindo na série binomialobtemos
Agrupando os termos e colocando em evidência as potências de obtemosA função geradora encerra várias propriedades da família dos polinômios de Legendre. Vamos ver nos exercícios que muitas outras famílias de polinômios ou funções também possuem a sua função geradora. Abaixo vamos mostrar como várias dessas propriedades podem ser deduzidas a partir da função geradora. O mesmo tipo de raciocínio se aplica a outras famílias de funções.
Propriedades.
1. .
Dem: Fazendo na função geradora,PortantoComparando os coeficientes dos nos dois lados da igualdade, obtemos finalmente2. , isto é, se for par, então é função par (só envolve potências de com expoente par) e analogamente para ímpar.
Dem:
A função geradora satisfaz . LogoComparando os coeficientes dos nos dois lados da igualdade, obtemos
3.
Dem:
Fazendo na função geradora,Usando a série binomialcom e , obtemosComparando as duas expressões para , obtemosSe quisermos, podemos ainda reescrever
4. , para e
, para .
Dem:
Integrando em relação a , temosComparando os coeficientes de nos dois lados, obtém-se a conclusão.
Vejamos mais algumas propriedades simples:
5. .
Para provar basta combinar as propriedades 1 e 2.
6..
Para provar basta fazer na equação de Legendre.
Vejamos agora uma propriedade importantíssima dos Polinômios de Legendre.
Ortogonalidade., para , isto é, os são ortogonais em relação ao produto interno .
Dem:
Escrevendo a equação de Legendre para , temosou ainda,Multiplicando por e integrando, temosIntegrando por partes,
isto é,Trocando os papéis de e (que equivale a começar com a equação de e multiplicar por ), temos, analogamente, queSegue daí quePortantose
Norma.
Dem:
Multiplicando a identidade por si própria, obtemosIntegrando em relação a , obtemosUsando a ortogonalidade dos , na soma acima sobram só as parcelas em que e, portanto,Por outro lado,
Comparando os coeficientes de nas duas séries, obtemos, finalmente,
Obs: É fácil ver que são linermente indendentes no espaço vetorial dimensional dos polinômios de grau menor ou igual a . Constituem, portanto, uma base deste espaço. Segue daí e da ortogonalidade, que para qualquer polinômio de grau menor que tem-seEm particular,para todo
Eduardo H. M. Brietzke