Mat01199 - Cálculo A - UFRGS

Prof. João Batista Carvalho

Solução analítica de equações do terceiro grau: o caso complicado

É desenvolvida aqui a solução de um problema de raízes que apareceu na disciplina de Cálculo A, no contexto do estabelecimento dos intervalos de crescimento e de decrescimento da função $\displaystyle
y = -x^4+4x^3-4x+1$.

O estudo dos sinais da função derivada $\displaystyle y' = -4x^3+12x^2-4 = -4(x^3-3x^2+1)$ naturalmente conduz ao problema de raízes $x^3-3x^2 + 1=0$.

Problemas de raízes do terceiro grau possuem soluções analíticas conhecidas desde o século 16. Uma referência completa pode ser encontrada nesse artigo da Wikipedia.

A solução analítica emprega algumas técnicas que ostentam um tipo de beleza (angelical) que nos dias de hoje pouco se valoriza.

A primeira das técnicas é uma mudança de variável que visa eliminar o termo de grau dois da equação. A substituição $x = t-a/3$, onde $a$ é o coeficiente de tal termo, define uma nova variável $t$, em nosso exemplo via $x = t-(-3)/3=t+1$, para a qual o problema se re-escreve:

$\displaystyle (t+1)^3 - 3(t+1)^2 + 1 = 0 \Leftrightarrow t^3-3t-1 =0$

A segunda técnica é uma parametrização que usa (pega carona em) uma identidade matemática muito conhecida mas pouco lembrada: a diferença de cubos. Preste atenção no conhecido resultado

$\displaystyle (v-u)^3 = v^3-3v^2u+3vu^2-u^3 \Leftrightarrow
(v-u)^3+3uv(v-u)+(u^3-v^3)=0$
que agora comparamos com nossa equação reduzida $t^3 + pt + q=0$. Para cada par de valores $u$ e $v$ tais que $3uv = p$ e $u^3-v^3=q$, $t = v-u$ produzirá solução dessa equação reduzida, como consequência da identidade acima. Tais $u$ e $v$ são nossos novos parâmetros. Em nosso exemplo, precisamos de $u$ e $v$ tais que $3uv = -3$ e $u^3-v^3=-1$. A primeira equação implica $\displaystyle
v = \frac{-1}{u}$ e então a segunda equação é equivalente a
$\displaystyle u^3 + \frac{1}{u^3} = -1 \Leftrightarrow
z^2 + z + 1 = 0, z = u^3$
e como a equação do segundo grau $z^2 + z + 1 = 0$ tem discriminante $\Delta = (1)^2-4(1)(1) < 0$, nosso processo de solução está no conhecido caso irredutível (veja a referência na Wikipedia, acima).

Agora então a terceira técnica: números complexos e trigonometria mesclados através da chamada fórmula de Euler $\displaystyle e^{i\theta} = \cos(\theta) + i\mbox{sen}   (\theta)$ .

Resolvendo a equação do segundo grau em $z$:

$\displaystyle z = \frac{-1 \pm \sqrt{-3}}{2} = -\frac{1}{2} \pm i\frac{\sqrt{3}}{2}$
e portanto temos duas soluções $z_1$ e $z_2$ :
$\displaystyle z_1 = -\frac{1}{2} - i\frac{\sqrt{3}}{2} = e^{i\theta_1}, \theta_1 = -\frac{4\pi}{3} $

$\displaystyle
z_2 = -\frac{1}{2} - i\frac{\sqrt{3}}{2} = e^{i\theta_2}, \theta_2 = \frac{4\pi}{3}$
Assim prosseguimos determinados as três raízes cúbicas de $z_1$ (poderia ser $z_2$):
$\displaystyle u_1 = e^{i\sigma_1}, \sigma_1 = \frac{\theta_1}{3}=-\frac{4\pi}{9}$

$\displaystyle u_2 = e^{i\sigma_2}, \sigma_2 = \frac{\theta_1+2\pi}{3}=\frac{2\pi}{9}$

$\displaystyle u_3 = e^{i\sigma_3}, \sigma_3 = \frac{\theta_1+4\pi}{3}=\frac{8\pi}{9}$
e os respectivos valores para $v$:
$\displaystyle v_1 = -\frac{1}{u_1}=-e^{-i\sigma_1} $

$\displaystyle
v_2 = - \frac{1}{u_2} = -e^{-i\sigma_2} $

$\displaystyle v_3 = -\frac{1}{u_3}=-e^{-i\sigma_3}$
e os respectivos valores para $t$:
$\displaystyle t_1 = v_1 - u_1 = -2\cos(\sigma_1)=-2\cos(-4\pi/9)=- 0.3472964 $

$\displaystyle t_2 = v_2 - u_2 = -2\cos(\sigma_2)=-2\cos(2\pi/9)= - 1.5320889 $

$\displaystyle t_3 = v_3 - u_3 = -2\cos(\sigma_3)=-2\cos(8\pi/9)= 1.8793852 $
e finalmente as três raízes reais de $x^3-3x^2 + 1=0$:
$\displaystyle x_1 = 1 + t_1 = 1-2\cos(-4\pi/9)= 0.6527036 $

$\displaystyle x_2 = 1 + t_2 =1-2\cos(2\pi/9)= -0.5320889 $

$\displaystyle x_3 = 1+ t_3 = 1-2\cos(8\pi/9)= 2.8793852 $
e assim podemos estabelecer intervalos de crescimento e de decrescimento da função $y$.



Joao Batista Carvalho 2015-05-25