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A Trigonometria e os problemas da latitude e longitude

1.- A enorme importância desses problemas


Localizamos um ponto sobre a superfície terrestre via duas coordenadas:

  • a latitude do ponto :
    que é o ângulo entre o plano equatorial e o raio pelo ponto
  • a longitude do ponto :
    que é o ângulo entre o meridiano pelo ponto e um meridiano de referência ( como o de Greenwhich )
Um grau de latitude corresponde a um arco cujo comprimento é o mesmo em qualquer local sobre a superfície terrestre ( cerca de 110 Km ), enquanto que os graus de longitude dão arcos cujo comprimento varia com o local ( de 110 Km no Equador diminuem para zero nos pólos ).
O primeiro uso dessas coordenadas ocorreu na feitura de mapas e isso foi feito já por Ptolemaios c 150 dC. A necessidade de calcular essas coordenadas tornou-se enormemente importante quando o homem começou a fazer viagens através dos oceanos. Até cerca de 1 500 as viagens marítimas eram feitas costeando os continentes, de modo a possibilitar a localização do navio. Com a descoberta do Caminho da Indias e a da América, foi preciso navegar em mar aberto e isso deixava como única possibilidade de localização do navio ( ou seja, a determinação de sua latitude e longitude ) o uso das astros celestes.
É importante lembrarmos que naquela época um navio que se perdesse ou mesmo se desviasse da rota corria o risco de perder a carga e a tripulação ( dizimada pelo escorbuto e falta de água ) . O valor dessas cargas podia ser imenso: estima-se em nada menos de 300 milhões de dollares o valor da carga de especiarias que, em 1 592, bucaneiros inglêses roubaram do navio português Madre de Deus. Não eram menores os prejuízos com vidas humanas, o mais famoso deles sendo o afundamento em 1 707 de quatro navios inglêses que, perdidos, bateram nas rochas das Ilhas Scilly: 2 000 marinheiros morreram só neste acidente.

Como resultado, por cerca de 1 700, a maioria dos países europeus envolvidos no comércio marítimo começaram a oferecer vultuosos prêmios a quem fosse capaz de descobrir um modo prático e exato de se determinar as coordenadas de um navio em mar aberto. A maioria desses prêmios chegava a a milhões de dollares atuais.
Na busca da solução para esse problema participaram matemáticos e cientistas do maior calibre, como Galileo, Huyghens, Newton, Euler e etc.

No que segue veremos alguns detalhes sobre a resolução do problema. É importante, contudo, que desde já enfatizemos duas coisas:
  • a determinação da latitude é um problema fácil, ao contrário da da longitude. Por isso, a maioria das pessoas refere-se ao problema que estamos tratando de O Problema da Longitude
  • A determinação da latitude e longitude de pontos sobre os continentes é muito mais fácil que no caso de pontos representando a posição de um navio em mar aberto.

2.-   O problema da latitude


Latitude pelo método polar

Este método não usa Trigonometria e baseia-se no fato que:

a latitude de um ponto P é igual a altura do pólo celeste visível desde esse ponto

conforme pode se comprovar facilmente na figura ao lado.
Esse método tem a vantagem de ser facilmente medível a altura polar ( basta usar qualquer instrumento capaz de medir ângulos ). Ademais, no Hemisfério Norte, esse método tem o especial atrativo de ser fácil a localização do pólo norte celeste: a Estrela Polar praticamente coincide com ele ( em verdade, hoje, ela está afastada cerca de um grau da posição polar; na época de Hipparchos estava a cerca de 3 graus ). No Hemisfério Sul não há nenhuma estrela razoavelmente perto da posição solar e então é mais conveniente usar a seguinte variante: escolhemos uma estrela próxima à posição do pólo celeste visível e medimos a altura dessa estrela, em relação ao horizonte de P, em dois instantes 12 horas aparte; a média dessas alturas é a altura do pólo visível. A necessidade de esperar 12 horas torna essa variante inviável em mar aberto.

EXERCICIO
O método da altura da Estrêla Polar foi o usado pelos portugueses no início da época dos descobrimentos. Passou-se bom tempo até eles se darem conta que essa estrela não está exatamente no Pólo Celeste. Naquela época ela estava afastada 4° . Aliado a esse fato, a precariedade dos instrumentos da época e a oscilação dos navios faziam com que não fosse raro cometerem erros de 3 a 4° na latitude.
Que erro em Km isso produzia?

EXERCICIO
Pedro Nunes c.1 500, o maior matemático da Escola de Sagres, introduziu o método variante da medida da altura do Sol no meridiano local. Foi esse o método usado pelo matemático de Cabral, para localizar a suposta ilha de Vera Cruz, em 27 de abril de 1 500:
... descemos à terra...e tomamos a altura do Sol ao meio dia e achamos 56 graus, e sombra era norte, pelo que, segundo as regras do astrolábio... julgamos ter o pólo sul 17 graus de altura...
O exato local da medida corresponde ao atual Ilhéu da Coroa Vermelha e segundo o Prof. Joaquim F. Duarte a altura do Sol que deviam ter aí medido naquela data é 14.7°. Isso dá um erro grosseiro mas que, por um acaso, acabou sendo cancelado. Com efeito, o professor calculou como sendo de de 16.4° sul a latitude desse ilhéu, em vez dos 17° do matemático de Cabral.
Quantos Km representa o erro que esse acabou fazendo ?

Latitude pelo método do triângulo posicional

Este método é mais complexo do que o anterior mas produz resultados bem mais exatos. Ao contrário do anterior, este método envolve a resolução de um triângulo esférico, o chamado triângulo posicional do ponto P onde está o observador ( por exemplo, no navio ):

Os vértices desse triângulo são:
  • PV = pólo celeste visível para o observador
  • Z = zênite do observador
  • E = uma estrela conhecida e visível para o observador
O observador em P inicia seu trabalho fazendo as seguintes determinações:
  • mede o ângulo Z ( fácil de fazer, pois ZPV é um meridiano celeste e então está na direção norte-sul )
  • mede a altura da estrela E relativamente ao horizonte de observador e então acha o valor do lado
    EZ = 90° - altura de E
  • acha o valor do lado EPv consultando uma tabela, chamada Tabela de Efemérides ( essas tabelas são publicadas anualmente pelos observatórios astronômicos nacionais )
Feito isso, resta resolver o triângulo posicional, obtendo ZPv a partir do ângulo Z e dos lados EPv e EZ. A latitude desejada é 90° - ZPv.

3.- O problema da longitude


Para esse problema foi muito mais difícil achar um método capaz de dar resultados exatos para o caso de navios em mar alto. Mil fatores dificultavam o problema: a oscilação do navio, a impossibilidade de ancorar para fazer medidas, etc. A leitura do edital do famoso Longitude Act, formulado em 1 714 pelo governo inglês, dá uma boa idéia da problemática:
  • oferecia prêmio equivalente a 12 milhoes de dollares atuais por um método capaz de achar a longitude com erro até meio grau
  • prêmio de 9 milhões para método com erro até 2 / 3 de grau
  • prêmio de 6 milhões para método com erro até um grau
( Para ter uma idéia mais concreta dessas exigências, use que um grau de longitude, no equador, equivale a cerca de 110 Km.)
A luta pela obtenção desses prêmios ocupou boa parte daquele século. Três eram os métodos concorrendo:
  • o método de Galileo que explorava o "relógio celeste" formado pelas luas de Júpiter
  • o método que dependia da construção de um relógio capaz de manter a hora mesmo com as oscilações e intempéries de uma viagem oceânica
  • o método da distância lunar
Dados o dinheiro e a fama envolvidos, os acontecimentos foram extremamente tumultuados e demorados. Pode-se, porêm, dizer que o método vencedor foi o do relógio mecânico de John Harrison. Embora a construção desse relógio tenha requerido décadas de trabalho e criatividade contínua, a idéia do método é bastante simples:
  • o navegador leva um relógio que indica a hora HG no meridiano de Greenwhich
  • usando o Sol como estrela E, resolve-se o triângulo posicional obtendo a hora local HL na posição do navio
  • Usando que em 24 horas a Terra rota 360° de longitude, a diferença HG - HL multiplicada por 15° dá a longitude do navio


EXERCICIO
Na época dos descobrimentos, os portugueses usavam a posição da Lua entre as estrelas para achar a longitude. Como essa gira em torno da Terra a cada 27 dias, é vista em posições diferentes do céu conforme variar a longitude do observador terrestre. Essas diferenças são muito pequenas, difíceis de constatar num navio. Ademais, na época, não existiam almanaques lunares confiáveis. Mesmo com o famoso almanaque de Regiomontanus ( 1 474 ) os erros na determinação da longitude podiam chegar a 10 ° . Quantos Km isso significa ?

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