POR QUE O NOME PRIMO PARA OS NÚMEROS PRIMOS ?





Muitas pessoas acham que a palavra primo - para denotar os números primos - está associada a alguma analogia de parentesco. Como veremos, isso é totalmente falso. Esse "primo" refere-se à idéia de primeiro, e tem sua origem numa velha concepção numérica dos pitagóricos.




C O N C E P C A O   P I T A G O R I C A  de  N Ú M E R O    P R I M O

A noção de número primo foi, muito provavelmente, introduzida por Pythagoras, c. 530 AC, sendo que a mesma desempenhou um papel central tanto na matemática como no misticismo pitagórico.

A escola pitagórica dava grande importância ao número um, que era chamada de unidade ( em grego: monad ). Os demais números inteiros naturais - o 2, 3, 4, etc - tinham um carácter subalterno, sendo vistos como meras multiplicidades geradas pela unidade e por isso recebiam a denominação número ( em grego: arithmós ).

Era como se tivéssemos uma família, onde a "mãe" era a monad ( unidade ) e os "filhos" os arithmói ( os números ):

  • a monad:
    a unidade ou um 
  • os arithmói  ( os números ) dois, três, quatro, etc, ou seja:
    todas as coleções de unidades

Entre os pitagóricos, a preocupação com a geração dos números não parava aí. Já o próprio Pythagoras teria atinado que existem dois tipos de arithmói:

  • os protoi arithmói  ( números primários ou primos )
    que são aqueles que não podem ser gerados - via multiplicação - por outros arithmói, como é o caso de 2, 3, 5, 7, 11, ...
  • os deuterói arithmói  ( números secundários )
    que são os que podem ser gerados por outros arithmói, como é o caso de 4 = 2.2, 6 = 2.3, 8 = 2.4, 9 = 3.3, etc

Assim que os primeiros matemáticos gregos dividiam o que hoje chamamos de números inteiros naturais em três classes:

  • a monad ( ou unidade, ou 1 )

  • os protói arithmói ( números primos ) ou asynthetói arithmói ( números incompostos ):
    2, 3, 5, 7, 11, etc


  • os deuterói arithmói ( números secundários ) ou synthetói arithmói ( números compostos ):
    4, 6, 8, 9, 10, etc


OBSERVACAO:

Ainda por influência dos pitagóricos, por muitos séculos houve polêmica acerca da primalidade do número dois. Os primeiros pitagóricos chamavam-lhe dyad, atribuiam-lhe carácter especial - embora bem menos importante do que o da monad - e alguns deles não o incluiam entre os arithmói. Consequente, muitos pitagóricos não consideravam o dois como primo. É só pela época de Aristóteles c. 350 AC que passou a ser comum considerar o dois tanto como número como primo, sendo que esse costume foi consagrado pelo livro Elementos de Euclides c. 300 AC.

OBSERVACAO:

Entre os gregos, principalmente entre gregos pitagóricos de várias gerações depois de Pythagoras, surgiram outras denominações para os números primos, como: retilíneos, lineares e eutimétricos. Contudo, elas tiveram uso muito restrito e cairam no desuso.



Q U E S T O E S    D O C U M E N T A I S   G R E G A S

Acima, dissemos que "a noção de número primo foi, muito provavelmente, introduzida por Pythagoras". Com efeito, é impossível ter completa segurança nessa atribuição, pois Pythagoras não deixou nenhum escrito e os documentos mais antigos que temos falando de suas idéias resumem-se a pequenos fragmentos de textos escritos várias gerações depois dele. Contudo, esses fragmentos, apesar de conterem muito escassas informações, são unânimes em afirmar que Pythagoras iniciou o estudo dos números primos.

O mais antigo livro de matemática que chegou completo aos nossos tempos e que desenvolve sistematicamente o estudo dos números primos é o Elementos de Euclides c. 300 AC. Como é sabido, Euclides seguiu muito de perto a orientação matemática dos pitagóricos. Assim, não é surpreendente que, no capítulo em que trata da Teoria dos Números, ele defina número primo de um modo absolutamente compatível com as idéias pitagóricas expostas acima. Com efeito ( Elementos, VII, def.11 , na versão de Heath ):

protós arithmós estin monadi mone metroymenos
ou seja:
número primo é todo aquele que só pode ser medido através da unidade







S U R G I M E N T O  da  D E N O M I N A C A O   L A T I N A : primus

A Arithmetiké do grego Nikomachos, c. 100 dC, é o mais antigo livro de Teoria dos Números, posterior ao Elementos de Euclides, que chegou até nossos dias. Trata-se de uma visão de filósofo e letrado do Elementos, sendo que não há uma única demonstração entre os poucos tópicos abordados. Apesar disso, teve grande repercussão na época e foi a base do primeiro livro em latim que se escreveu sobre Teoria dos Números: o De Institutione Arithmetica, do romano Boethius c. 500 dC.

No livro de Boethius é onde aparece, pela primeira vez, a denominação numerus primus como tradução da tradicional protós arithmós preservada de Euclides por Nikomachos. Ademais, Boethius, sempre seguindo Nikomachos, usa a velha classificação pitagórica dos números naturais: primos ou incompostos versus secundários ou compostos.

O Livro de Boethius foi, durante cerca de seiscentos anos, a única fonte de estudos de Teoria dos Números disponível na Idade Média.
Em torno de 1 200 dC iniciou o renascimento científico e matemático do Mundo Cristão, com o afluxo das obras árabes e a tradução das obras gregas preservadas no Mundo Islamita. É dessa época um dos mais influentes livros de todos os tempos: o Liber Abacci, de Fibonacci. Esse grande matemático, que havia estudado entre os muçulmanos do Norte da África, diz que acha melhor dizer primus em vez do incomposto preferido pelos árabes e outras pessoas. Ficou assim, definitivamente, consagrada a denominação número primo na Europa Cristã.



B I B L I O G R A F I A

    • M. TIMPANARO-CARDINI: Pitagorici. Testimonanze e frammenti, 3 vols. Florence, 1 958.
    • H. DIELS, W. KRANZ: Die Fragmente der vorsokratiker, 7a ed. 1954.
      sec. 14 para Pythagoras e secs. 37-58 para os primeiros díscipulos
    • PAULY WYSSOVA: Real Encyclopaedie der Classische Altertumswissenschaft. Stuttgart, 1963. Vol XXIV, pp 171-300
    • K. SYLVAN GUTHRIE: The Pythagorean Sourcebook and Library. An Anthology of Ancient Writings Which Relate to Pythagoras and Pythagorean Philosophy. Phanes Press, 2 000.
    • B. VAN DER WAERDEN: Die Arithmetik der Pythagoreer. Math. Ann., 120, (1947-49), pp 127-153, 676-700.




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