Benjamin Constant |
Nome: Benjamin Constant Botelho de Magalhães
vida: viveu 55 anos ( 1836 - 1891), a maior parte em Rio de Janeiro e Niterói
formação de nível superior:
Formação primária na escola do pai. Esse faleceu de tifo deixando um BC de 13 anos,
bem como quatro irmâos menores e mãe, em completa miséria. Ajudado por famílias
de amigos, terminou seus estudos secundários no colégio do Mosteiro São Bento, no
RJ.
Aos 16 anos tomou o caminho usual, na época, para os filhos de famílias pobres
que desejavam educação de terceiro grau: ingressou na Escola Militar do RJ. Além
dos estudos serem gratuítos, os alunos dessa escola recebiam - desde que assentassem
praça - soldo de sargento. Com esse soldo e os ganhos de aulas de monitoria
que passou a dar ( na própria Escola Militar e em vários colégios do RJ e
Niterói ), BC conseguiu ir sustentando mãe e irmãos.
O início de seu curso na Escola Militar foi problemático. Seus empregos de monitoria fizeram com que fosse reprovado nos dois primeiros anos. Apesar disso, gradativamente conseguiu equilibrar trabalho e estudo e conseguiu formar-se como engenheiro militar em 1858, aos 22 anos.
Desejando continuar sua formação militar, matriculou-se novamente na Escola Militar ainda em 1858 e no ano seguinte passou para a recem criada Escola Central. Nessa última concluiu seus estudos, diplomando-se Doutor em Matemática e Ciências Físicas em 1860.
A vida militar de BC foi exemplar, tendo estado na linha de frente na Guerra do Paraguai construindo pontes, trincheiras e fazendo mapas. Essa, aliás, acabou traçando o destino de BC. Com efeito, lá pegou malária e voltou ao RJ procurando se recuperar. A doença tornou-se crônica e, destruindo-lhe gradativamente o fígado, baço, coração e pulmões, acabou provocando-lhe uma muito dolorosa morte aos 55 anos ( 1891 ).
Apesar desse sacrifício à carreira militar, a vocação de BC não era essa. Provavelmente inspirado pelo pai, BC sempre quiz ser, e foi, um professor.
Sua vida como professor é historicamente importante por várias razões. Por exemplo, sua ação profissional gravita em torno das primeiras instituições brasileiras a ensinarem matemática de nível superior, quais sejam as escolas militares sediadas no Rio de Janeiro:
Em ordem a podermos ter uma idéia do ambiente universitário em que trabalhou, façamos uma objetiva comparação entre dois de seus extremos: os que recebiam a educação e os que a dirigiam:
O soldo militar e o salário de professor auxiliar eram muito magros, de modo que BC procurou tornar-se catedrático inscrevendo-se em todos os concursos que foram anunciados na época. As escolas eram todas do governo e esse não via com bons olhos as pretensões do abertamente antimonarquista BC. Para se fazer um juízo claro do que ocorreu basta examinar o quadro abaixo:
data | idade | cargo em disputa | resultado | exerceu o cargo ? |
---|---|---|---|---|
1858 | 22 |
Cátedra de Matemática Elementar Escola Militar |
Não houve o concurso D Pedro nomeou outro |
Não |
1860 | 24 |
Repetidor de Matemática Colégio D. Pedro II |
Primeiro colocado, mas D Pedro nomeou o segundo |
não |
1860 ? | 24 ? |
Cátedra Colégio D Pedro II |
Não houve concurso D Pedro nomeou outro |
não |
1861 | 25 |
Cátedra de Matemática Escola Normal da Côrte |
Primeiro colocado, mas D Pedro nomeou o segundo |
não |
1863 | 27 |
Cátedra de Matemática Elementar Instituto Comercial, RJ |
primeiro colocado ( instituição estava por fechar ) |
de 63 a 79 |
1873 | 37 |
Repetidor Escola Militar |
primeiro colocado ( salário baixo e não podia acumular ) |
de 73 a 89 |
Em idade mais madura conseguiu algumas nomeações de pequena importância. Só com a última, conseguida no ápice de seu prestígio no meio militar, é que considerou-se finalmente recompensado. Essa recompensa, infelizmente, foi de curta duração, pois logo depois morreu.
data | idade | cargo | efetivo ou interino ? | exerceu |
---|---|---|---|---|
1861 | 25 |
Ajudante de astrônomo Observatório Astronômico Imperial |
interino | um ano |
1869 | 33 |
Diretor e professor do Instituto dos Meninos Cegos |
efetivo | 20 anos |
1879 | 43 |
Cátedra de Complementos de Matemática Tópicos de Análise, inclusive Cálculo das Variações, Probabilidades e Atuária, Mat Financeira. Escola Politécnica do RJ |
interino | 1 ano |
1880 | 44 |
Cátedra de Matemática Matemática Elementar e Escrituração Mercantil (80 a 84 e 89) Elementos de Mecânica e Astronomia (81 a 85) Escola Normal de Niterói |
interino de 80 a 84 efetivo em 85 |
1880 a 85 |
1889 | 53 |
Cátedra de Matemática Cálculo das Variações e Diferenças Finitas Escola Superior de Guerra |
efetivo | um ano |
Tendo convertido-se ao positivismo, tornou-se o seu grande divulgador e líder entre os militares, o que acabou resultando em grandes transformações políticas e educacionais em nosso país.
A prática positivista caracterizava-se, além de uma postura científica
frente aos fenômenos sociais e naturais, por repousar sobre a seguinte trilogia:
o amor por princípio, a ordem por base e o progresso da
Humanidade como fim. Nem todos entendem a "ordem e progresso" que BC colocou
em nossa bandeira republicana. O Positivismo negava a luta de classes, achando
que só poderia haver progresso com a harmonia e a irmandade entre as classes
sociais.
Como consequência lógica disso, o Positivismo:
Essas idéias eram justo o que precisavam os jovens oficiais do exército brasileiro do final do século passado para nortear suas decisões, num regime imperial em completa decadência. Tendo na Guerra do Paraguai, diante da morte, aprendido que o soldado negro também podia ser herói, não queriam mais prestar-se ao serviço de captura dos escravos fugidos e nem mesmo tolerar a corrupção da Côrte. Queriam, também, deixar de desempenhar o papel secundário e receber os magros salários até então reservados aos membros do exército nacional. É bom enfatizar que boa parte dos oficiais do exército vinha da classe média baixa e, semelhante a BC, tinha entrado na vida militar mais para conseguir uma educação do que por vocação guerreira. ( Situação muito diferente era a dos oficiais da marinha, entre os quais existiam muitos membros da aristocracia ).
As mortes de Osório ( 1879 ) e Caxias ( 1880 ), monarquistas e detentores da obediência de todo o exército, aliadas com a falta de tacto da côrte para perceber e tratar os anseios acima, levaram a uma crescente indisciplina entre os jóvens oficiais do exército: a famosa Questão Militar.
O homem que soube casar os ideais positivistas com os anseios da mocidade militar foi BC. Isso ele fêz mais como um "pacificador do que revolucionário; não destruiu, nem subverteu. Pelo contrário, poupou à Pátria da perturbação, desordem e morte. Em meio às espadas desnudas, era o símbolo da concórdia : persuadia, abrandava e dirigia." (Ivan Lins)
Pregava abertamente seu ideal positivista. Não usava de subterfúgios. Quando
prestou concurso para Repetidor na Escola Militar ( 1873 ), antes de iniciar
sua prova oral, declarou que era positivista e por ele pautaria suas lições, de
modo que pergutava à banca do concurso se isso não o incompatibilizava
para o cargo.
Sua ação concentrou-se na Escola Militar, onde misturava sua cátedra com
o apostolado da causa positivista. Nunca fêz política partidária, por outro
lado, diariamente enfatizava que o viver para
outrem "é a fórmula última da lei do serviço que cada um de nós é chamado a
prestar, se o sucesso aspira a ser duradouro ou a vida ser satisfatória."
( Bernardino Vieira Lima)
Seu enorme prestígio no setor militar, inclusive sobre os chefes mais graduados,
decorria dessa ação apostolar e, principalmente, pelo elevado respeito moral
que inspirava a todos" ( Inácio Azevedo do Amaral)
No ano de 1889, quando BC já via que seria impossível conter por mais tempo os anseios revolucionários dos jóvens oficiais, tentou preparar os ânimos para um conflito não sangrento. É famoso seu discurso onde disse: Está provado que a monarquia no Brasil é incompatível com um regime de liberdade política. Para que a intervenção do Exército se legitime aos olhos da nação e pelo julgamento de nossas próprias consciências é necessário que sua ação se dirija a destruição da monarquia e a proclamação da República, recolhando-se em seguida aos seus quartéis e entregando o governo ao poder civil.
O desfecho não tardou a ocorrer. Na madrugada do 15 nov, os cadetes da Escola
Militar e Escola Superior de Guerra foram à casa de BC pedir que os comandassem
em marcha contra o quartel general. No meio do caminho passam a ser acompanhados
e chefiados por Deodoro ( Chefe do Clube Militar e, então, representante dos oficiais
graduados do exército ), que levantara-se do leito de doente. Chegando ao
quartel, Deodoro adianta-se a cavalo e, demonstrando coragem imensa, simplesmente
exige continência e ordena aos de dentro que abram o portão central.
Dentro do palácio, o Primeiro Ministro ( Visconde do Ouro Preto ) chama Floriano
( chefe da tropa do exército ) e instiga-o:
- General, o Sr. que tanta bravura mostrou no Paraguai, por que não ataca os
rebeldes?
Responde Floriano:
-No Paraguai lutavamos contra inimigos e quem nos cerca é a mocidade militar
guiada por seu Mestre, que foi também o meu Mestre.
Lá fora, Deodoro tira o bonet e agitando-o, de cima do cavalo, grita: Viva a República!
Anos mais tarde, um político cínico diria:... e o povo assistiu, bestificado, a Proclamação da República. Talvez, o mais correto fosse dizer que tomar o poder é uma coisa, ter condições materiais e políticas para exercer o governo é outra.
Com a Proclamação da República, Benjamin foi elevado ao cargo de Ministro da
Instrução o qual ocupou por pouco mais de um ano, quando veio a falecer.
Neste breve período de tempo coordenou três profundas alterações no ensino
brasileiro:
O ensino e pesquisa de Benjamin seguiam a orientação positivista e eram, então,
mais o que hoje chamamos de Filosofia da Matemática do que Matemática.
Como professor não deixou nenhum livro-texto que nos permita fazer uma avaliação
direta e segura.
Já mencionamos que era verdadeiramente idolatrado por seus alunos, e os
inúmeros depoimentos que temos de sua ação didática resumem-se em elogiá-lo
sem entrar em detalhes verdadeiramente matemáticos. Contudo, parece ser bastante
seguro afirmar que seu estilo didático era basicamente uma imitação do de
Auguste Comte, o fundador do Positivismo e seu mestre.
" Expunha de modo bem diferente dos livros habituais.
Em vez de uma monótona sequência de axiomas, teoremas e corolários, ouvíamos
primeiro, com verdadeiro deleite, uma exposição sintética do assunto, sobre o que
esvoaçava arrebatando-nos com a magia do seu raciocínio convicente e da sua
linguagem apurada, tudo iluminado por uma fisionomia de cativante doçura e de
que não desafitávamos o olhar tomados de verdadeira fascinação.
Quando depois passava às fórmulas e mandava escrever na pedra letras,
números ou figuras para deduzir, tínhamos a impressão de que descíamos do
alto, já tendo idéia perfeita da paisagem, e de que entravamos a examinar-lhes
com vivo interêsse todas as minúcias.
Qualquer que fosse a matéria da lição, quer se tratasse de Geometria, quer de
Cálculo, o método era sempre o mesmo: abarcar primeiro o assunto
numa larga visão sintética, contemplá-lo pelo exterior para lhe conhecer as grandes
linhas estruturais, localisá-lo com precisão, e só depois invadi-lo
francamente para examinar as particularidades." ( Augusto Tasso Fragoso).
O único trabalho escrito que nos deixou BC foi um trabalho de pesquisa ( 1868 ) e intitulado Memória sobre o tema das grandezas negativas. Para que V. possa fazer uma apreciação mais apropriada, transcrevemos dois textos destacados por Mello e Souza ( o Malba Tahan ) em seu livro de História da Matemática:
A distinção das quantidades em positivas e negativas não é só uma circunstância
acidental que se pode dar na determinação dos valores numéricos das expressões
algébricas, por onde se é levado a considerar quantidades isoladas afetas dos
sinais + e -; esta distinção corresponde maravilhosamente, na passagem do
concreto para o abstrato, a oposição de sentido de que muitas grandezas são susceptíveis,
tendo assim uma significação clara ao espírito, e apresentando-se como um
carácter importante da linguagem algébrica, que concorre para torná-la a mais
perfeita linguagem do raciocínio.
A Ciência Matemática apresentaria, com efeito, uma grave lacuna, limitando-se
a considerar grandezas unicamente quanto aos seus valores, sem atender ao
seu modo de existência.
Contra a opinião dos que sustentam que as quantidades negativas são menores que zero, Benjamin Constant levantou uma objeção que não nos consta ter sido até hoje removida. Diz ele que, havendo quantidades menores que zero, o símbolo a / 0 não pode indicar uma quantidade maior que a quantidade dada. A nosso ver, só se pode refutar semelhante objeção pelo conceito que acabamos de dar sobre as próprias quantidades negativas. Com efeito, o símbolo em questão, representando idéia em abstrato, não poderia ser dado pelo quociente da divisão de um número a, por uma expressão sem significação abstrata, da natureza das quantidades imaginárias, que só tem senso concreto.
Para derrubar o domínio de parvoíces como essa, foi preciso Amoroso Costa e Otto de Alencar gastarem suas vidas escrevendo artigos expondo seu pedantismo vazio e comparando-as com o que pregam a Ciência e Matemática modernas. Mas, foi só na década dos 1920 que o positivismo começou a ceder terreno. A visita de Einstein ao Brasil de 1925, teve um significado muito enfático:
Como resultado da vida pobre que levára e da impossibilidade de trabalhar nos
últimos anos de vida, ao morrer, deixou a família num situação precária. Não
tinham casa própria e as despesas médicas no tratamento da malaria de BC haviam
gerado uma imensa dívida.
A dívida foi paga por Carlos Fraenkel, que era casado com uma filha de BC. Quanto
a casa alugada em que morava, num artigo das disposições transitórias da
Constituição de 1891 foi estabelecido que "o Governo adquirirá para
a Nação a casa onde faleceu BC e nela mandará colocar uma lápide em homenagem
à memória do grande Patriota - o Fundador da República". Comprada
a casa, o Governo concedeu a viúva de BC o direito de uso, enquanto viva.
Muitos anos depois, em 1958, o prédio foi tombado e em 1982 foi aí criado o Museu Casa de Benjamin Constant, com a finalidade de reconstruir o ambiente familiar e o contexto sócio-cultural em que viveu BC. Para maiores detalhes, foto, horário de visitas e atividades culturais que o Museu promove, veja o seguinte material preparado pela Secretaria de Turismo do RJ:click aqui