NÚMEROS REAIS E MEDIDAS

Recapitulando

Nos módulos anteriores, construímos dois conjuntos numéricos:

1)Conjunto dos inteiros {0,1,2,3...}


No módulo II, a construção dos racionais foi feita na perspectiva da aritmética das operações com números inteiros. As frações foram definidas como quocientes de inteiros, que não são necessariamente inteiros.

Esta construção pode ser feita, também, numa perspectiva geométrica, a partir do conceito de medida de segmentos.

O Problema da medida – Construção do Campo Racional

O processo de medida consiste em comparar um segmento arbitrário com outro fixado como unidade.



Aplicamos um sobre o outro, fazendo coincidir dois extremos A e C.

Vemos que o ponto D cai entre A e B e expressamos o resultado da comparação:



Mas não basta informar que um comprimento é “maior que” o outro. Às vezes necessitamos saber quantas vezes cabe um comprimento no outro.

Para isto é necessário um termo de comparação para todas as grandezas de uma mesma espécie, ao qual denominamos de “unidade de medida”.

1) É necessário estabelecer um termo único de comparação para todas as grandezas da mesma espécie, a este termo chamamos unidade de medida. No caso da medida de segmentos, a unidade pode ser centímetros, metros, pés, jardas, etc.

2) É necessário responder à pergunta: Quantas vezes? A resposta consiste em achar um número que expresse o resultado da comparação com a unidade. Este número é a “medida da grandeza em relação a essa unidade”.

 


Ou seja, o processo de medida pode conduzir a números inteiros.

 



Escolhemos v como unidade de medida e temos as seguintes igualdades:



Define-se o número m/n como a razão entre as medidas dos dois segmentos.

 



 


Definição

Um número racional é um número que representa a medida de um segmento comensurável com a unidade.

 

A crise da medida: a definição de irracional

Por muito tempo se pensou que dois segmentos quaisquer eram sempre comensuráveis.

A ilusão da comensurabilidade durou até o quarto século antes de Cristo. Naquela época, em Crotona, sul da Itália, havia uma seita filosófico-religiosa, liderada por Pitágoras. Um dos pontos fundamentais de sua doutrina era o lema "Os números governam o mundo", sendo que, para eles, números eram números naturais sobre os quais se podia estabelecer relações, tomar razões e, conseqüentemente, formar frações.

Estudando geometria, Pitágoras conseguiu demonstrar que, para qualquer triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos dois catetos (Veja a visualização do Teorema Pitágoras).

A partir deste resultado, surgiu um número que corresponde à razão entre as medidas da medida da diagonal do quadrado de lado 1.

Na época, a crença na comensurabilidade de qualquer par de segmentos, fez pensar que o Porém, buscando a razão entre estes segmentos, um dos discípulos de Pitágoras, observou que eles não são comensuráveis. Não existe um segmento-padrão, unitário, que cabe um

(Veja a Demonstração da incomensurabilidade da diagonal e do lado do quadrado).

Este foi um momento de ruptura e de crise, entre os estudiosos da época. Aparecia pela primeira vez na história da Matemática, a possibilidade da existência de segmentos incomensuráveis e, conseqüentemente, segmentos cuja razão entre as medidas não resulta em números racionais. Abria-se a possibilidade da existência de outro tipo de números: os números irracionais.

 

A existência de segmentos incomensuráveis implica na insuficiência dos sistemas numéricos conhecidos – números naturais e racionais - para efetuar medidas dos objetos geométricos mais simples, como o quadrado e o círculo.
A solução que se impôs, na época, e que levou séculos para ser adotada, foi a de ampliar o conceito de número, introduzindo os chamados números irracionais.




Definição

Um número irracional é um número que representa a medida de um segmento incomensurável com a unidade.

 

Com esta definição, podem-se encontrar muitos exemplos de irracionais.

Aplicando o Teorema de Pitágoras¹, verifica-se que a diagonal do quadrado de lado unitário é o número . Demonstra-se que é irracional, assim como todas as raízes não exatas de números naturais são irracionais.

Outro número importante na história grega, que também é irracional, é o Número de Ouro, o número da beleza e da harmonia, também representado por radicais.

Foi demonstrado (com mais dificuldade) que o número que corresponde à medida do comprimento da circunferência de diâmetro unitário, é irracional, mas não pode ser representado por um radical, ou seja nem todos os irracionais são raízes de inteiros.

O conjunto dos irracionais é resultado da união de dois conjuntos: o conjunto dos irracionais algébricos (representados por radicais) e o conjunto dos irracionais transcendentes (número que não se apresentam na forma de radicais). Não vamos demonstrar, neste estudo, mas existe um resultado interessantíssimo sobre estes conjuntos: existem mais números transcendentes do que números algébricos² .


Medidas na reta

A semi-reta é uma metáfora para os números reais não negativos.

Pode-se construir uma semi-reta numerada, dotando-a de uma origem O, determinando um sentido para efetuar medidas, e escolhendo alguma unidade de medida para marcar pontos correspondentes aos números inteiros, à direita de O. Deste modo, cada ponto P da reta é identificado com a extremidade de um segmento OP e associado ao número que corresponde à medida deste segmento. O zero corresponde a um segmento nulo, obtido quando P coincide com O.

 

Definição

O conjunto dos números reais (positivos) é definido como o conjunto de todos os números que correspondem a medidas de segmentos não nulos, da reta.
O conjunto dos números reais (positivos) resulta da união dos conjuntos dos números racionais (positivos) e dos números irracionais (positivos).

 


Diagrama


 

Conclusões


O conjunto dos números reais resulta da união de dois conjuntos numéricos: o conjunto dos números racionais e dos números irracionais.

O conjunto dos números reais é o conjunto dos números que representam medidas de segmentos da reta. O conjunto dos números racionais corresponde à medida de segmentos comensuráveis com a unidade e o dos irracionais corresponde à medida de segmentos incomensuráveis com a unidade.

Por definição, a cada ponto da (semi)reta real corresponde um segmento, cuja medida é um número real e reciprocamente a cada número real corresponde um segmento representado por um ponto da reta.

Convém lembrar que demorou muito tempo para se aceitar e se incorporar aos conjuntos numéricos os números negativos e o 0. Incorporando-os, finalmente é definida a reta real.

A reta real completa é dividida em duas semi-retas e, por convenção, a semi-reta à direita do zero é o lugar dos números positivos; a semi-reta à esquerda é construída por simetria e contém números negativos, definidos como os opostos dos positivos. Estes números passaram a ser identificados por sinais: à direita, números positivos, (+x) e à esquerda, números negativos, identificados com o sinal (-x). Estes números foram definidos como sendo os opostos aditivos, também denominados de simétricos, dos reais positivos:
(+x) + (-x) = x – x = 0.



Ao compararmos a reta completa com a semi-reta inicial, cujos números não são assinalados (não têm sinal), passamos a identificar os números com sinal + com os números conhecidos.

sinal de +, basta apresentá-los, sem sinal, como usualmente se apresenta uma medida.

Considerando a reta completa e o conjunto dos reais também completo, com a incorporação dos negativos, afirma-se que o conjunto dos números reais é equivalente ao conjunto dos pontos da reta, isto é, existe uma correspondência biunívoca: a cada ponto um número e a cada número um ponto.

Axioma da completude

Com esta relação entre a reta e o conjunto dos reais, fica implícita a noção da continuidade (ou completude), deste conjunto. Intuitivamente, o conjunto dos números reais é contínuo ou completo como a reta.

No entanto, o conceito de continuidade ou de completude é dos mais difíceis e abstratos da Matemática³ .


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Notas Finais


¹Se você quiser ver outra demonstração do Teorema de Pitágoras, assista:
http://www.youtube.com/watch?v=lRqVfuEPdN4
http://www.youtube.com/watch?v=dUbVnb2LDLU&feature=related

²Se você quiser saber mais sobre o assunto:
http://www.dmm.im.ufrj.br/~risk/diversos/tamanho.html
http://euler.dmat.ufpe.br/gradua/intervalo/ciencia_horje_infinito.pdf

³Se você quiser saber mais sobre o assunto:
www.sbempaulista.org.br/epem/anais/co.html ou Texto: Lógico e histórico.

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GLOSSÁRIO

Correspondência biunívoca

Medida

Numero irracional

Numero irracional algébrico

Numero irracional transcendente

Número real

Segmentos comensuráveis


Segmentos incomensuráveis

BIBLIOGRAFIA


CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais de Matemática. Lisboa: Gradiva, 1998.

CERRI, Cristina. Desvendando os Números Reais (pdf). IME-USP. Novembro de 2006. Disponível em http://www.mat.ufg.br/bienal/2006/mini/cristina.cerri.pdf


DIAS, Marisa.; COBIANCHI, Antonio Sérgio. Correlação do lógico e do histórico no ensino dos números reais (pdf). In: VII Encontro Paulista de Educação Matemática, 2004, São Paulo. Disponível em:. www.sbempaulista.org.br/epem/anais/co.html

FRID, Hermano. Os números irracionais (pdf). Revista Eureka. Disponível em www.obm.org.br/eureka/artigos/irracionais.doc

LIMA, Elon Lages, CARVALHO, Paulo César pinto, WAGNER, Eduardo, MORGADO, Augusto César. A Matemática do Ensino Médio. Coleção do Professor de Matemática. Vol. 1. Sociedade Brasileira de Matemática, 2001.