Números inteiros

(trecho dos PCN- Matemática para Ensino de quinta a oitava série, 1998, páginas 97-100)

A análise da evolução histórica dos números negativos mostra que por muito tempo não houve necessidade de pensar em números negativos e por isso a concepção desses números representou para o homem um grande desafio.

O uso pioneiro dos números negativos é atribuído aos chineses e aos hindus, que conceberam símbolos para as faltas e diferenças .impossíveis (dívidas). A adoção do zero teve um papel-chave na construção dos inteiros, possibilitando operar com grandezas negativas, mudando o caráter de zero-nada para zero-origem, favorecendo, assim, a idéia de grandezas opostas ou simétricas.

Além das situações do cotidiano os números negativos também surgiram no interior da Matemática na resolução de equações algébricas. No entanto, sua aceitação seguiu uma longa e demorada trajetória. Só no século XIX os negativos foram interpretados como uma ampliação dos naturais e incorporam as leis da Aritmética. Passaram então a integrar a hierarquia dos sistemas numéricos como números inteiros.

Também na escola o estudo dos números inteiros costuma ser cercado de dificuldades, e os resultados, no que se refere à sua aprendizagem ao longo do ensino fundamental, têm sido bastante insatisfatórios.

A fim de auxiliar a escolha de caminhos mais adequados para abordar os inteiros, é importante reconhecer alguns obstáculos que o aluno enfrenta ao entrar em contato com esses números, como:

• Conferir significado às quantidades negativas;

• Reconhecer a existência de números em dois sentidos a partir de zero, enquanto para os naturais a sucessão acontece num único sentido;

• Reconhecer diferentes papéis para o zero (zero absoluto e zero-origem);

• Perceber a lógica dos números negativos, que contraria a lógica dos números naturais: por exemplo, é possível .adicionar 6 a um número e obter 1 no resultado, como também é possível subtrair um número de 2 e obter 9;

• Interpretar sentenças do tipo x = - y, (o aluno costuma pensar que necessariamente x é positivo e y é negativo).

Quanto ao tratamento pedagógico dado a esse conteúdo, a ênfase na memorização de regras para efetuar cálculos, geralmente descontextualizados, costuma ser a tônica da abordagem dada aos números inteiros no terceiro e no quarto ciclos. Uma decorrência dessa abordagem é que muitos alunos não chegam a reconhecer os inteiros como extensão dos naturais e, apesar de memorizarem as regras de cálculo, não as conseguem aplicar adequadamente, por não terem desenvolvido uma maior compreensão do que seja o número inteiro.

Por outro lado, é preciso levar em conta que os alunos desenvolvem, já nas séries iniciais, uma noção intuitiva dos números negativos que emerge de experiências práticas, como perder no jogo, constatar saldos negativos, observar variações de temperaturas, comparar alturas, altitudes etc. Essas noções intuitivas permitem as primeiras comparações entre inteiros.

Assim, os contatos dos alunos com os significados dos números inteiros podem surgir da análise de situações-problema do campo aditivo. Situações em que esses números indicam falta, diferença, posição ou deslocamento na reta numérica.

A representação geométrica dos inteiros numa reta orientada também é um interessante recurso para explorar vários aspectos desse conteúdo, como: visualizar o ponto de referência (origem) a partir da qual se definem os dois sentidos.

• Identificar um número e seu o oposto (simétrico): números que se situam à mesma distância do zero;

• Reconhecer a ordenação dos inteiros: dados dois números inteiros quaisquer, o menor é o que está à esquerda (no sentido positivo da reta numérica); assim, dados dois números positivos será maior o que estiver mais distante do zero e dados dois negativos será maior o que estiver mais próximo do zero;

• Comparar números inteiros e identificar diferenças entre eles;

• Inferir regras para operar com a adição e a subtração, como:

(+3) + (-5) = +3 + 5 = -2.

Para explorar a adição e subtração, outro recurso interessante é o ábaco de inteiros, que consiste em duas varetas verticais fixadas num bloco, nas quais se indica a que vai receber as quantidades positivas e a que vai receber as quantidades negativas, utilizando argolas de cores diferentes para marcar pontos. Esse material permite a visualização de quantidades positivas e negativas e das situações associadas ao zero: varetas com a mesma quantidade de argolas. Ao manipular as argolas nas varetas, os alunos poderão construir regras para o cálculo com os números inteiros.

Um terceiro recurso é a construção de tabelas que permitam observar regularidades e de padrões de comportamento da série numérica. As tabelas podem ser usadas no trabalho da multiplicação e da divisão com inteiros, uma vez que a compreensão dos procedimentos de cálculo envolvidos, dependem do conhecimento de conceitos, propriedades e processos que implicam identificar regularidades, estabelecer relações e fazer algumas inferências.

Por exemplo: construir uma tabela de multiplicação com números positivos e negativos, registrando inicialmente os produtos entre os números positivos.

Para multiplicar números positivos por negativos pode-se aplicar a idéia da multiplicação como adição de parcelas iguais. Assim, a multiplicação de (+3) x (-2) pode ser interpretada como a soma de três parcelas de .2 e resolvida por um procedimento aditivo: (+3) x (-2) = 3 x (-2) = (-2) + (-2) + (-2) = (-6).

Pela observação das regularidades das seqüências numéricas construídas, pode-se completar a tabela com os produtos dos negativos pelos positivos e dos negativos pelos negativos, mantendo o padrão numérico observado (acrescentar 3 ou retirar 3).

Também o estudo de um problema histórico pode ser interessante para trabalhar com a multiplicação de inteiros.

Os antigos perceberam, em várias situações, que quantidades retiradas (números negativos) multiplicadas entre si deviam produzir quantidades acrescidas (números positivos). Por exemplo: no caso da área de um retângulo com lados medindo 5 e 7, portanto, com área 35, se fossem diminuídos os lados em 2 e 3 unidades respectivamente, obteriam um retângulo com medidas 3 e 4, portanto, com área 12. Quando pensaram na área desse retângulo como o produto dos lados 5 - 2 por 7 - 3 para poder encontrar 12, eles perceberam que deveriam subtrair de 35 os produtos de 2 por 7 e de 5 por 3 e ainda adicionar ao resultado o produto de 2 por 3. Assim, concluíram que a quantidade retirada 2 multiplicada pela quantidade retirada 3 produzia a quantidade acrescida 6.

Ao buscar as orientações para trabalhar com os números inteiros, deve-se ter presente que as atividades propostas não podem se limitar às que se apóiam apenas em situações concretas, pois nem sempre essas concretizações explicam os significados das noções envolvidas. É preciso ir um pouco além e possibilitar, pela extensão dos conhecimentos já construídos para os naturais, compreender e justificar algumas das propriedades dos números inteiros.

Por outro lado, ao desenvolver um tratamento exclusivamente formal no trabalho com os números inteiros, corre-se o risco de reduzir seu estudo a um formalismo vazio, que geralmente leva a equívocos e é facilmente esquecido. Assim, devem-se buscar situações que permitam aos alunos reconhecer alguns aspectos formais dos números inteiros a partir de experiências práticas e do conhecimento que possuem sobre os números naturais.